Hoje saí para passear com minha filha e descobri que, apesar do prazer da paternidade, o que eu quero mesmo é minha “Torre de Marfim”. Um lugar bem alto, distante e isolado, em que eu pudesse estar a salvo dos ruídos do mundo e ouvir apenas música boa. Um lugar aonde não chegasse mala-direta, Padre Marcelo Rossi, Mr. Catra, missionários, o cheiro do Ribeirão Feijão-Cru, notícias de balas perdidas…
Como todo poeta eu amo às nuvens, aos lugares sagrados, às coisa antigas. Existem até alguns que fingem amar o oposto disso — mas nesses eu não confio. E como todo poeta eu abomino a bovinice, o comportamento de rebanho, a conformidade do sistema, a arte pela colheita da grana.
Acima de tudo eu odeio o ruído, odeio especialmente essa abominação chamada tele-mensagem. Já avisei a todos que me conhecem que se me mandarem tele-mensagem eu fujo. Se me puserem ao microfone eu mando todo mundo tomar no cu. E se eu descubro quem foi o infeliz, já era: se foi minha mulher, me divorcio. Se minha filha, sem mesada por pelo menos 730 dias. Se for amigo, era.
Se eu pudesse viver em minha torre de marfim eu seria dedicado à quietude. Seria capaz de votar certos dias ao silêncio absoluto.
Na minha torre de marfim eu passaria deliciosas horas de solidão, ouvindo esse silêncio mórbido e eterno que o mundo de hoje expulsou. Se ainda não estiverem extintos e nem engaiolados, os passarinhos virão pousar à minha janela e cantar no meu amanhecer. Mas se estiverem todos mortos eu poderei pelo menos gozar do silêncio — e nesse silêncio poderei ouvir meus pensamentos melhor.
Minha torre não será um condomínio. Creio que no inferno existem vizinhos, mas no céu cada alma bendita terá uma sesmaria ao redor de sua cabana.
Do alto de minha Torre eu certamente verei no horizonte as luzes de muitas cidadezinhas ou a nebulosa de uma metrópole. Para isso é que porei películas escuras nas vidraças. Quero minhas noites negras. Mesmo que as luzes da modernidade me roubem as estrelas eu ainda quero, pelo menos, o prazer de poder dormir na escuridão.
Entre as inúmeras coisas que abolirei de minha vida quando me mudar para a Torre eu enumero três que certamente não deixarei de deixar… O telefone, a televisão e o celular. Não quero telefone, mas quero computador com internet. Não quero televisão, mas quero meu DVD-player. Usarei minha conexão de banda-larga para piratear todos os filmes que quiser ver, todos os discos que quiser ouvir. Enquanto isso não quero ter de atender o telefone, não quero ter de assistir a essas coisas horrendas que a televisão insiste em nos mostrar. Eu não sou essas coisas e não sou essa música ruidosa que assombra a cidade.
Talvez você me ache louco, ou tenha pena de mim porque na minha Torre de Marfim não haverá amor. Talvez eu tenha razão, talvez tenha você. Essa Torre agora é só um sonho porque nela não caberiam todas as pessoas que eu teria de levar — e cada pessoa teria outras a quem levar. Assim, a minha solidão se tornaria um condomínio e a primeira coisa que toda essa gente faria seria organizar um churrasco regado a cerveja e pagode.
Interessante o raciocínio. Se vc levasse uma pessoa para a torre, ela levaria outra, que levaria outra, que levaria outra… Realmente, é um caso difícil de decidir.