Quando passo pela ponte sinto uma vertigem que me atrai em direção à água. É um instante de terror em que quase me imobilizo. Não posso correr, pois isso me desequilibraria. Tenho de ir devagar, medindo os passos e ignorando o rio ao mesmo tempo em que mantenho o olhar fixo em suas águas regurgitantes.
Cruzo a ponte todos os dias para ir ao trabalho. Se não me causasse tanta vergonha minha vertigem eu poderia encontrar algum meio de evitar cruzar a pé, mas de minha casa ao meu trabalho são apenas três minutos de caminhada e não seria plausível que eu gastasse uma passagem de ônibus para isso.
Hoje, ao cruzá-la pela centésima quadragésima quinta vez esse ano, deparei-me com uma constatação bastante desconfortável: o rio está baixando. É visível que a água já não é suficiente para cobrir as pedras do leito e que a cor das águas, antes escura, se rarefaz aos poucos.
A mudança não me consola e não muda o fato de que eu temo cruzar a ponte: se antes era terrível o temor de talvez cair e nas águas agitadas e turvas, agora a perspectiva é até mais imediatamente terrível: bater contra o fino lençol líquido e atravessá-lo, atingindo as pedras do fundo ou mesmo o leito de areia compactado pela água de séculos.
Estive lendo no Informativo dos Poderes Municipais que a Ponte Nova foi construída em 1946. Isso me inquieta mais. Como pode ser Nova tendo já mais de cinquenta anos em seus ossos de concreto armado e em sua pele de fino asfalto? Imagino se estão ainda firmes cada um de seus pilares, se não corremos o risco despencarmos todos, com nossos carros ao a atravessarmos a passeio ou a trabalho.
No norte de Portugal uma ponte bem mais respeitável que esta (embora centenária e mais longa) ruiu e causou mortes. Até o primeiro ministro teve de se pronunciar a respeito. Sempre que estou passando sinto a agitação das placas de concreto com o peso dos veículos. É uma sensação que não nos inspira bons sentimentos. Às vezes a ponte toda se agita, com a passagem de um caminhão ou de um ônibus lotado, como uma daquelas pontes de corda que aparecem nos filmes.
Mas apesar do terror que me invade quotidianamente, estou preso a continuar atravessando-a todos os dias para entregar-me à venda de minhas forças em troca do pão que me conserva vivo.