Era alta noite e eu estava na estrada, ouvindo uma rádio que oscilava e chiava de interferências, enquanto o carro escavava um túnel na escuridão da serra. Meus pés doíam de acelerar há tantas horas, os pneus roncavam na irregularidade do asfalto e eu me sentia profundamente só.
De repente uma estação estranha interferiu com a rádio comercial: um som eletrônico longo e agudo irritou-me o suficiente para que levasse a mão ao controle para desligar. Tomei um choque ao fazê-lo e levei a mão à boca por instinto. Meu dedo estava amargo e gelado.
Comecei a reduzir, procurando um lugar onde parar. Aquele ruído diferente ficava mais alto a cada metro, e revelava um ritmo e uma série inconstante de padrões. Código morse? Discagem de modem? Vozes em uma língua alienígena? Tudo isso misturado? Ou algo familiar?
Surgiu um mirante à esquerda, logo no começo da perigosa descida da Serra da Vileta. Parei ali, saí do carro e olhei em volta. A lataria parecia fumegar, mas não havia marcas de fogo em parte alguma.
Esfreguei as mãos no rosto, já quase a sair correndo, quando senti uma sensação rouca acima de mim, arrepiando minha nuca. Olhei para as nuvens e vi a forma escura e circular descendo lentamente, sem fazer barulho. Tive de achar graça.
O disco estacionou no mirante e ela desceu, envolta em roupas prateadas e escarlates.
— Você está piorando de vida, querido. Esse veículo é mais antigo do que o outro.
Sorri, resignado:
— Desta vez, querida, pelo menos tenha a bondade de me deixar levar o carro até a garagem para que não roubem. É difícil subir na vida quando você ocasionalmente some por dias e perde um carro na estrada.
— Tudo bem, vai lá. Afinal isso não é um sequestro.
Dirigi até a cidade, num misto de excitação infantil e sensualidade.