Vestimos a vida, roupa desconfortável
e apavorados vivemos no mundo.
Andamos sem rumo querendo salvar-nos
de vaidades, perigos e segredos.[^1]
Espíritos tensos, buscamos sem onde
o fio que nos liga a nós mesmos.
Somos palhaços no meio da praça,
rindo, felizes, de quem mal nos trata.
Espíritos e carnes densamente pensam
a essência que justifique tudo isso,
aspiramos ao alto mais alto e o vemos
cair como uma ameaça sobre nós.
Corpos retesos e mãos impotentes,
acenamos na noite em busca daquilo,
somos virtude e falta-nos isto
e nossas faces aparecem mortas no espelho.
Vertidas as últimas lágrimas, vagamos
sem onde deixar nossos despojos:
mudamos tantas vezes que não temos casa,
este lugar é apenas nosso depósito.
Vendemos tudo de nós e nada temos
do que ganhamos em troca, o tempo toma
tudo quanto não é nosso de verdade.
Não, não é dinheiro o que perdemos
é uma alegria leve que nunca tivemos.
Abrimos a noite ou somente a janela?
Vencemos o medo ou acendemos uma vela?
Mal sabemos se nos temos ou se buscamos
a resposta de tudo isto neste templo.
Há o espaço de uma peça que falta,
o silêncio da resposta que se cala.
Ceticismo, ironia, nada, nada mesmo disso
cobre este buraco que toma a forma de Deus.
[^1]: Escrito originalmente em 2003