O louco dançava à beira do rochedo, desafiando as ondas com seus versos:
— Vamos para o céu, ou talvez… pulem, pulem! Andem logo, ele espera. Vocês não tem escolha! Pulem, pulem para os braços do dragão que esconde suas asas e seus dentes na maciez das ondas.
Os homens continuavam construindo o barco sobre o gramado. Enquanto as mulheres colhiam frutas e preparavam carne-seca — provisões para a viagem. O louco observava e cantava seus versos desafinados:
— Vocês não tem escolha, as velas serão rasgadas pelos ventos. Os mastros serão destroçados pelas ondas. Em vez da Torre ou da Terra Prometida vocês serão mortos e seus corpos trespassados pelos espinhos longos do dragão.
O contramestre cansou-se da litania e raspou a garganta:
— Cale-se, estúpido. Esta ilha é teu destino, por blasfemar desta maneira contra a esperança. Pára de gritar, pelo menos, enquanto nos preparamos para cruzar o mar.
Mas o louco não tinha medo do poder, quem teve a morte diante de si e viveu, mesmo que por um tempo, perde esse pudor, da dor. Com uma lágrima solitária no olho, o louco dirigiu-se a uma das mulheres:
— Madame, você veja o que diz seu marido. Oh, cuidado o homem que acha que sabe o que quer. Ele nunca para em lugar nenhum. Sempre haverá outro mar, sempre haverá outros braços. Alguma promessa da grande cidade perdida, da grande vida que não houve, e nada é tão favorito do aventureiro quanto o desejo de partir outra vez.
— Cala-te, louco. Ninguém mais suporta tuas dores. Guarde-as para ti.
— Como, madame, se eu tampouco as suporto?
Fez-se um silêncio na colina. O silêncio da compreensão. Mesmo os loucos falam a verdade, precisamente. E quando os sãos a entendem, uma dor profunda, dessas que exigem um assassinato, passa pelos corações dos sensatos.
O contramestre pegou um machado e ameaçou outra vez.
— Some de nossa presença, besta!
O louco amansou um pouco e continuou os versos num outro tom:
— Então vão, viagem, vão para o céu, ou o inferno. Vocês não têm escolha. Por favor, me deixem aqui, prometo fechar meus olhos quando o Grande Polvo surgir. É bom e é seguro estar perdido no mato, não é tão mau quanto estar triste na praia. O mato não me diz nada, não me mata. E o que eu digo lá não é ouvido por ninguém que me odeie. Então vão, viagem, iscas vivas, crianças lambuzadas de mel andando entre as colmeias.
O louco deixou escapar uma gargalhada cortantemente triste e correu pela praia, tropeçando na areia.— Por favor, deixe-nos em paz — berrou um rapaz que parecia sensato.
O louco mirou-o com olhos agudos e disse:
— Prometo fechar os meus olhos, mas como fechar meus ouvidos?
O vento soprou e as folhas das árvores lamentaram os troncos cortados pelos homens para fazer os barcos.
— Por favor, não me ponham na bagagem — insultava o louco.
O contramestre deu por terminada a obra. Uma garrafa de antiga cerveja, choca pelas décadas, mas ainda cerimonialmente útil, foi quebrada no casco. O cheiro doce do levedo estragado preencheu o ar com saudades. Um discurso. A bruxa da tribo subiu na proa, desafiadoramente penetrando a maré.
— Os mares alcançam o mundo, amados. Eles continuam, apesar de tudo, iguais. Não precisamos voar, nem morrer nesta ilha miserável. Quanto mais ficamos, menores somos. Vamos embora, chega de arrastar-nos pela areia. O calor do vento é nosso amigo, nossas cantigas nos darão força para cruzar o mar. Venham, todos, amigos, amantes, maridos. Ponham-se a bordo e vamos!
Do alto de uma pedra, o louco chorava. Era um homem ainda jovem e razoavelmente belo. Em sua loucura amava a donzela cujo nome não sabia. Por ela chorava, mais do que pelos outros, porque ela não ia por querer, mas por força da vontade do seu pai — segundo contramestre.
E na tarde do quinto dia o barco foi empurrado para dentro do mar, e navegou suavemente até os arrecifes, deixando o louco na praia, derramando-se em lágrimas e versos de pé quebrado.
Então os tentáculos do monstro surgiram das profundezas, cheios de agulhas longas e penetrantes, e abraçou o barco, diante dos gritos da tribo inteira. O louco descobriu o ombro e olhou a cicatriz que tinha sob a clavícula, lembrando da dor e do desespero, da sorte de ser trazido, esquecido, até aquela praia.
Ergueu-se ali e estendeu um punho fechado contra o céu, dizendo:
— Tu já foste bastante surdo ou bastante mau. Já me convenci o suficiente de ambas as coisas. Mas tenho duvidado se devo mesmo ter medo de você, mais do que do Polvo. Porque ele, ele eu sei que existe e vai me matar um dia, quando tiver aprendido a cercar-se da terra pouca dessa ilha. Mas tu, tu podes ser somente uma ilusão que sobrou, de um mundo que não existe mais. Mas se existes, então salva justamente Ela, como salvaste justamente a mim. Salva-a não por misericórdia, mas porque és mau e te deleitarás mais no sofrimento da morte dela adiada. Salva-a para minha luxúria, como me salvaste para ser palhaço dos ignorantes.
O louco deixou-se cair na areia, chorando sem controle, esperando que sua prece fosse ouvida. E o mar rugia, e dezenas de impotentes gritos se ouviam.