Face aos protestos recebidos de nossos leitores quanto ao excesso de conteúdo pornográfico e blasfemo de nossa tradução da obra infantil “A Sweet Old Lady”, a que intitulamos “Uma Doce Velhinha”, tivemos de efetuar uma revisão do trabalho realizado pelo tradutor contratado para este fim. O escrutínio revelou algumas falhas de tradução, que foram as causadoras das passagens controversas que andaram circulando pela imprensa.
Logo no primeiro parágrafo, é preciso notar que a Senhora Barnes não era “dependente de uma cana”, pois em nenhum momento no livro ela se embriaga de cachaça. Que fique bem claro que ela “se apoiava em uma bengala”.
Não existe nenhum racismo no terceiro parágrafo, pois o melhor amigo da Senhora Barnes, o motorista de táxi jamaicano Jonathon Peters, não andava “sorrateiro como um macaco”. Em vez disso esse simpático e paternal cavalheiro, que tanto ajudou os netinhos da Senhora Barnes a construírem o seu aeromodelo, tinha por hábito caminhar “suavemente como um monge”.
Outro trecho de suposto racismo contra Peters, na página 92, também se deve a um mal entendido. As crianças não voltam da casa de Peters, trazendo o aeromodelo, cobertas de “sujeira de negro”, mas sim de “poeira preta” (black dirt). Quem leu o livro com atenção terá percebido que o trabalho de construção do aeromodelo foi feito no quintal, que estava seco e empoeirado. Uma poeira obviamente escura devido à fertilidade do solo na região das Apalaches.
Não procedem tampouco as acusações de pedofilia que foram feitas ao professor Williamson: ele não disse que queria ver o traseiro da Senhorita Mandelson (que tinha somente onze anos), ele apenas disse que queria vê-la de volta (“I want to see you back”). Considerando que a matéria de Williamson era de matrícula facultativa, era natural que ele tentasse convencer a garota a voltar.
Tampouco procede que a Senhorita Mandelson teria ficado excitada em ouvir o inexistente convite a um ato libidinoso, pois ela não respondeu que “mostraria a parte de cima”, mas sim que apareceria (“show up”).
Causou-nos espécie o ódio dirigido ao professor de educação física, o Senhor Crane, até notarmos a necessidade de esclarecer que ele não obrigava as alunas a correr mostrando os peitos, mas apenas as fazia correr lado a lado (abreast), como normalmente se corre em provas curtas de atletismo. A propósito, na págin 176, o trocadilho que o Sr. Crane faz com o seu nome explora as pernas compridas de uma ave chamado “grou”, e não com o “tamanho do grande guindaste”.
Crane certamente era um professor rigoroso e é um dos antagonistas da história, mas não por suas atividades docentes. É um erro supor que ele estuprou Peter Wordsworth durante os treinamentos de ciclismo. Na verdade Wordsworth gostava tanto de pedalar que comentou, ao sair de seu primeiro treinamento de ciclismo que se sentira “arrebatado” (“raptured”) durante as atividades. Não existe nenhum cunho sexual na frase.
Embora muita gente tenha protestado contra o baixo calão da afirmação da Senhora McAllister, na página 38. A professora de piano jamais disse às crianças que gostaria de ver um pinto outra vez. De fato ela só estava com saudade de seu povo, pois “picto” é o apelido dos habitantes das regiões costeiras da Escócia, onde ela nasceu e aonde não tinha ido fazia vinte anos.
A mesma professora protagoniza outro episódio espúrio, na página 60, quando as crianças a veem padecendo de uma paixão não correspondida por Crane. As crianças não disseram que ela parecia uma “vadia bonita”, mas sim que ela parecia “bastante distraída” (“pretty vacant”).
Por outro lado, é desastroso que tenha sido traduzido que o estudante japonês de intercâmbio, Satoru Hamashita, se realizava quando brincava com um “cacete”. Ao ler o livro, você perceberá que era exímio jogador de beisebol e que, portanto, o que lhe realizava era jogar como rebatedor.
O que a bondosa senhora Atwood promete dar ao Senhor Crane, quando ele está convalescendo no hospital é “carinho em um momento difícil” (caress under duress) e não uma “carícia na coisa dura”.
Outros trechos menos ofensivos à moral (mas certamente à inteligência) ocorrem em outros locais e também merecem atenção.
O filho do Diretor Johnson se chama Damien (equivalente a “Damião”) portanto, quando o Senhor Johnson o ouve chegar da escola chorando ele apenas diz “é Damien” e não “é o demônio”.
Ted Kelly “fraturou a tíbia” (“shin”) e não “quebrou a cara” (“chin”).
Aparentemente o tradutor desconhece que “Chinaman” (chinês) e “cinnamon” (canela) não são apenas variações de uma mesma palavra. O restaurante aonde a Senhora McAllister se encontra com o seu namorado era embebido pelo cheiro “canela e especiarias”, não “fedia a chineses e espiões”.
Os leitores devem ficar advertidos, por exemplo, que não foi o “inferno” que caiu sobre a escola na antevéspera da Páscoa, mas granizo (“hail”). Inferno é o que os nossos advogados tentarão fazer cair sobre o tradutor.
P.S. Agradeceríamos a ajuda de alguém plenamente fluente em polonês para revisar a tradução das famosas “Memórias Achadas Numa Banheira”, de Stanislaw Lem.