Aprender coisas novas nos faz pessoas melhores, tal é o princípio básico que justifica que tanto seja investido, pelos nossos governos ou por nossas famílias, para que frequentemos escolas e adquiramos diplomas. Muitas vezes, o que é aprendido na “vida estudantil” não tem importância imediata; outras vezes, perturba o equilíbrio do aluno com a comunidade em que ele vive; outras, por fim, ele afeta o equilíbrio do próprio aluno, hipertrofiando certas áreas de sua personalidade enquanto reprime outras. Por esta razão, existe uma simbologia explícita na escolha do currículo pelo Estado e a definição de prioridades pela família ou pelo aluno: a determinação de ensinar isto, mas não aquilo é tão ideológica quanto a decisão de estudar com afinco uma matéria, mas não outras. Em ambos os casos, os valores envolvidos ficam razoavelmente transparentes.
Em nosso país dá-se uma importância enorme ao ensino de matemática e de português. Durante boa parte da “vida estudantil” somos bombardeados com cinco aulas de cada durante a semana, dez dos vinte e cinco horários disponíveis (incluindo os horários que ficam inexplicavelmente vagos) são ocupados por estas matérias, cinco aulas para cada uma. Esta ênfase pode não ser suficiente para evitar que a maioria de nossos estudantes (três quartos, na verdade) saia da escola com sérias dificuldades para entender textos simples, como vemos nesta reportagem da [Folhas de São Paulo](http://www1.folha.uol.com.br/folha/dimenstein/imprescindivel/dia/gd230402.htm#2) ou [nesse estudo]) da UBE, mas é suficiente para inculcar nos alunos que português e matemática são matérias importantes e que história, geografia, literatura, ciências etc. não são.
Mas tudo se torna ainda mais difícil quando se adiciona a questão do bilingualismo ao complexo problema da incompetência generalizada da escola brasileira (sim, não existe palavra melhor para definir uma instituição que falha em 74% dos casos). Embora o Brasil seja um país de uma língua só, o domínio do inglês é visto, há muitos anos, como um diferencial para a construção de uma carreira de sucesso. Isto se deve a vários fatores, não apenas à hegemonia econômica americana; ainda que esta seja o principal. Saber inglês não é importante somente porque nos habilita a ter acesso a um vasto cabedal de conhecimentos produzidos nessa língua, é também um fetiche, uma distinção de elite, uma forma de exclusão social, uma ferramenta para deslumbrar os botocudos.
Isto explica porque nossa elite é tão permeável a anglicismos, especialmente em certos setores profissionais que funcionam à base de “buzzwords”, de “knowledge management” e “risk assessment” para o “empowerment” do “business” diante do “marketing” para agradar aos “stakeholders”. Complicar o que é fácil, turvar o que é transparente, são técnicas que aumentam a “importância” daquilo que se está dizendo, dá uma aura de conhecimento arcano, de língua sagrada, de ritual. *Eu não entendo o que ele está falando, mas deve ser importante, porque tem tanta palavra bonita*.
O inglês se presta a isso de forma exemplar. Não apenas por ser uma língua estrangeira, portanto capaz de adicionar o necessário grau de turbidez ao discurso de quem a emprega, mas também por ser a língua central, a língua do “império”. Para legitimar essa patranha, essa gente cria o mito de que o português é “difícil” ou que é uma língua a que faltam certos mecanismos e vocábulos essenciais. As palavras inglesas entram no idioma porque faltam meios para expressar o mesmo conceito em português, pelo menos é a visão dos pajés que manipulam estes fetiches linguísticos para deslumbrar aos selvagens.
Claro que existem sempre certos conceitos que são difíceis ou até impossíveis de traduzir. Desafio alguém a traduzir para o inglês a palavra alguma destas incríveis expressões populares que temos. Mas na cabeça de alguém que domina assimetricamente os dois idiomas (melhor o inglês do que o português) é fácil xingar de intraduzíveis palavras que poderiam ser facilmente substituídas por outras em nossa língua. Isto explica as palavras pomposas que apareceram mais acima, todas elas tidas como oráculos, como objetos sagrados e intocáveis, digo, intraduzíveis.
Certamente uma pessoa que tivesse bom domínio do português saberia traduzir a maior parte delas, mas ah… temos um problema: o português é uma língua “primitiva”, ele “não soa tão bem” quanto o inglês, *insn’t it?*
E assim, nas calhas de roda
gira a entortar a dicção
este monturo de termos
que não acha tradução.