Há algumas semanas divulgou-se uma estarrecedora pesquisa segundo a qual aproximadamente 80% dos estudantes brasileiros, ao término do primeiro grau, ainda não haviam adquirido plena competência da leitura; número que não era significativamente reduzido ao fim do segundo grau (porque, obviamente, não há espaço na escola secundária para trabalhar a alfabetização), e que ainda tinha impacto nos cursos universitários. Nada menos que 5% dos formandos em cursos superiores seriam analfabetos funcionais (e uma boa outra quantidade seria incompletamente alfabetizada).
Pois bem, há alguns dias, em São Paulo, uma garotinha de doze anos morreu, em um hospital de relativo renome, porque a enfermeira lhe injetou vaselina líquida em vez de soro fisiológico.
Você consegue ver a relação entre estas duas coisas? Não? Vou tentar explicar.
Se temos uma proporção tão grande de analfabetos funcionais ao término do curso superior, se temos tantas pessoas que, mesmo alfabetizadas, ainda não têm domínio pleno da leitura, é evidente que uma boa quantidade dos profissionais que estão sendo formados neste país tem dificuldade para ler e compreender instruções, rótulos, alertas, receitas etc.
Isto quer dizer que temos médicos que desconhecem sintomas porque não leem os laudos até o fim, que temos engenheiros que calculam errado porque não entendem as especificações, que temos professores que não conseguem ensinar bem porque ainda não dominam a matéria que deviam ensinar, que temos enfermeiras que podem matar crianças de doze anos porque não leem rótulos e receitas.
Uma característica do analfabeto funcional, e também dos que, mesmo alfabetizados, têm ainda dificuldade de leitura, é a preguiça de ler. Quem não é plenamente alfabetizado procura evitar ler porque ler lhes é penoso. Quando veem um texto longo como esse, desanimam de ler e reclamam de quem escreve. Quando veem letrinhas miúdas…
O que estou querendo dizer é que a ineficiência de nosso sistema educacional está produzindo uma geração de profissionais relapsos e incompetentes, profissionais que cada vez mais cometerão erros idiotas porque não querem ler, porque leem e não entendem ou porque as instruções, escritas por outros incompetentes, não são claras. A longo prazo esta incompetência generalizada vai matar cada vez mais gente. Enfermeiras que injetarão remédio errado, médicos que vão operar a pessoa errada, engenheiros que vão calcular errado, mecânicos que não vão saber consertar direito os novos modelos, com suas estruturas complexas etc.
Se você acha que estou inventando estes números, vamos a alguns links:
- Analfabetos funcionais escolarizados,
- O Presidente, o ministro e o analfabetismo,
- Escolas continuam produzindo analfabetos funcionais,
- Analfabetismo funcional… uma triste realidade de nosso país.
Mas o que mais me espanta é, diante de tais números absurdos, a presidente eleita ter dito que «a educação no Brasil já está encaminhada». Bem, encaminhada ela está. Apenas eu e a presidente divergimos para onde.
Realmente acontece muitas coisas dessa natureza. Conheço uma enfermeira aposentada que presenciou muitas mortes causadas por falta de interpretação de laudos e de sintomas de doenças.
Lamentável, mas real.