Entre as muitas verdades aprendidas melancolicamente ao longo da vida, eis uma que me encanta e ao mesmo tempo magoa: eu não sou o escritor que poderia ter sido se eu tivesse podido ser um escritor. Difícil entender? Vamos por partes.
Sou escritor amador, o que significa, basicamente, que dedico a maior parte de meu tempo a outra coisa, que faço, esta sim, como profissional. Na prática: o escritor que eu sou vive das sobras do profissional que eu sou. Não se trata de uma convivência fácil, pois o escritor é irascível e instável, enquanto o profissional precisa de calma, previsibilidade e persistência. Sem falar que ambos transitam em mundos diferentes: o escritor deseja o calor da inspiração e das experiências, quer amor, quer aventura, quer tudo. Enquanto isso o profissional vive entre números e cifras frias, colecionando documentos, autenticando segundas vias, registrando créditos e débitos, fechando contratos. São universos diferentes, antípodas, e ambos se contaminam, fazendo com que o profissional seja um pouco escritor e o escritor seja um pouco profissional. Algo do método e da frieza do bancário transpira no escritor quando ele se sente para escrever (sic) e algo do escritor transpira no bancário quando contempla um parágrafo genérico no modelo de contrato.
Há inúmeras coisas que eu escrevi na vida sob o signo da profissão, histórias e experiências que eu nunca teria tido se não tivesse sido o profissional que eu sou. Só não sei se eu teria sido um profissional outro se não tivesse sido o escritor. Porque não consigo me imaginar sendo outra pessoa, eu comecei nessa minha vida muito cedo, e agora já é tarde para mudar.
Exatamente !