“Severo Snape” (nome fictício) era proprietário de uma empresa que ia razoavelmente bem. Era, no entanto, dotado de um ego maior do que sua grandeza e de uma insegurança que lhe obrigava a reinar sozinho. Por isso tratava de aproveitar-se do poder de todas as formas, submetendo seus empregados a um regime de intimidação e represálias, cuja principal finalidade era impedir que algum deles se destacasse mais que o proprietário. Era também amante de três funcionárias (e supostamente de um funcionário também). Seus relacionamentos se misturavam ao serviço, pois dava privilégios a quem lhe dava e distribuía todo tipo de benesses e influências e aumentos de forma a privilegiar seus protegidos.
Como o clima na empresa era ruim, a rotatividade dos funcionários era alta. Toda semana havia alguém que não aguentava e se demitia ou não suportava mais e era demitido. Toda semana chegavam novos funcionários e a empresa ia seguindo. Não crescia, mas continuava. Ela era grande o bastante para ser atraente e havia sempre jovens ingênuos dispostos a entrar. Não perdia dinheiro, mas faturava menos do que poderia.
Um dia desapareceu. Surgiram boatos de que teria sido forçado a vender a empresa para pagar dívidas. Reapareceu dias depois, usando o humilde uniforme dos auxiliares de escritório, para espanto de todo mundo. Que obra do destino obrigara o antigo ogro a arranjar um emprego reles na própria empresa que um dia fora sua?
Os primeiros dias foram de incredulidade. Ninguém acreditava que fosse verdade. Na surdina todos comentavam com cem por cento de certeza informações de que tudo não passava de uma farsa. Mas à medida em que foram se acostumando com a situação, os empregados começaram a se sentir mais à vontade. Mesmo os mais céticos passaram a duvidar do ceticismo. Por fim, algumas das vítimas do tirano caído aproveitaram para ir à forra do, xingando-lhe de nomes ou armando-lhe arapucas diversas. As suas amantes se recusaram: sem o dinheiro o homem está reduzido à sua idade e à sua feiúra. Seus poucos amigos, embora inicialmente fieis, começaram a ficar incomodados com o fato de que, mesmo empobrecido, ainda esperava ser tratado com a mesma deferência de antes, chegando ao cúmulo do “você sabe com quem está falando?”. Como antes, quando obtinha o respeito pelo terror.
Depois de nove dias o clima na empresa era de balbúrdia. Todas as regras um dia estabelecidas por Severo eram ativamente quebradas. A disciplina tinha desaparecido. Para tentar defender a empresa os diretores amigos de Severo tiveram que tomar atitudes com as quais ele não poderia concordar, uma delas dizer que se ele não se enquadrasse como empregado e fizesse o seu serviço teria de ser demitido.
Foi outra semana de caos generalizado. Mas, enfim, as coisas pareciam encaminhar-se para uma solução. Então, subitamente, ele apareceu na cadeira da presidência de novo.
Começou a caça às bruxas. Demissões em massa. A linha de montagem ficou paralisada por falta de braços enquanto eram contratados novos empregados, ou treinaods em suas funções. Diretores foram escorraçados simplesmente porque não haviam sido subservientes ao auxiliar de escritório Severo durante as três semanas.
“Eu fiz tudo isso para testar quem seria fiel a mim na adversidade — ele dizia — e descobri que ninguém foi.”
Sozinho em sua sala, sem amantes e sem amigos, Severo voltou a tiranizar a empresa, sem se importar se isso era bom ou não para os negócios. Na sua solidão a própria sobrevivência do negócio se tornava secundária. A conjuntura não lhe dizia nada, apenas acreditava que tudo ficaria bem no fim:
“Meu negócio cresce sozinho. Essa empresa ganha dinheiro praticamente sem precisar fazer nada.”
Ao fim de dois anos a empresa hoje possui imensos estoques de produtos que ninguém quer comprar, a sede está cada vez mais arruinada e pouca gente aparece para realmente trabalhar. Severo não vai à linha de produção, apenas crê que os milhares de empregados registrados estão fazendo bons produtos e os novos diretores, raramente presentes, estão sempre em viagem de negócios, fazendo preciosos contatos.
Alguém lhe recomendou que usasse óculos, ele finalmente acreditou que poderia estar enxergando errado, e saiu pela porta da fábrica um dia, grisalho e tateante, em busca da visão perdida, deixando para trás o deserto de um antigo sonho, as ruínas de coisas que poderiam ter sido.
Requiescat in pacem, Severus.
Achei injusto colocar o nome de Severo Snape no sujeito. Mas entendo que em 2011 o personagem levava a isso.
Baseado em fatos reais?
É sim, Ilka. Refere-se ao mesmo tema. Embora não seja diretamente inspirado no texto do Pablo.
Adorei o texto, Zè. Lembrou-me um pouco o mesmo teor do poema O imperador està sò, do colega Pablo. Alguma alusão ao tema? Infelizmente a ignorância atrelada à arrogânica destrói grande parte das belas coisas da vida, como a amizade, por exemplo. No fim das contas, o arrogante termina sozinho mesmo. Parabéns pelo texto.
Às vezes a ilusão parece tão mais atraente que a realidade. Nestes casos, a ignorância é o mais suave bálsamo contra a realidade.