O meu melhor amigo voltou das férias ontem com um braço quebrado. Ninguém ainda parece haver notado nada de estranho nisso, como se férias normalmente quebrassem ossos. Mas eu não me contenho de perguntar por que motivo alguém voltaria do litoral com um membro na tipóia. Nada porém que me leve a romper o silêncio que ele, por motivos certamente justos, está mantendo.
Hoje à tarde eu fui visitá-lo. Encontrei-o regando as flores da irmã no pequeno canteiro nos fundos de casa. No momento em que entrei, mal o reconheci: normalmente as pessoas voltam mesmo estranhas de suas férias, mas ele tinha algo mais.
— Está difícil voltar àquela vida de antes, meu amigo.
Aproveitei a deixa e perguntei o porquê do braço. Ele riu pragmático e respondeu que se me contasse a verdade não teria mais nenhuma graça, pois havia sido algo bem comum e idiota.
— Não foram as férias que me quebraram os ossos e nem é o meu braço que me dói nesse momento.
Ele me olhou com um assomo de sorriso no canto externo do olho.
— Sinto-me prostituído cada vez que me sento naquela cadeira. E o pior é que eu não consigo me desligar da lembrança do violão. Trabalhar fica difícil sem sonhos para fazer a gente esquecer esta desgraça que é viver nesta merda de mundo. Jogar tudo para o alto e começar de novo é algo que já assusta quando se passou dos trinta anos. Daí para frente alguém aceita ser violado até nos últimos princípios em nome de uma falsa segurança. É aí que o homem descobre que deixou seus sonhos no sereno e eles foram roubados enquanto dormia.
Para quê eu tentaria convencer o meu amigo de algo que não creio eu? Derrapando na curva dos trinta tristes anos eu olho para trás com amargura e lamento a festa a que não fui, os beijos que não dei, as oportunidades que passaram por mim sem que eu me arrojasse. E principalmente lamento viver na casa de minha mãe e viver neste mundo de meu Deus onde já não se faz mais música e nem amores como antigamente.
O meu amigo sabe, como eu, que é tarde para lutar pelos velhos sonhos. Ele já não será o astro que quis ser e eu pressinto que nunca fui ou serei o escritor que o menino do interior ambicionava ser. Ou simplesmente estamos convencidos dessas coisas. Não há um Sistema para culpar, não houve conspiração alguma além da própria vida contra nós…
Não vamos nascer de novo e nem vamos descobrir uma outra vida um belo dia. Estávamos armados de falsas ilusões que se perderam em fumaça e agora eu cultivo uma barriga iniciante enquanto me prostituo em particulares. O meu amigo tem mais sorte: rega flores e se senta atrás da mesa de uma repartição pública.
Mas não nos está sendo fácil exorcizar o violão e o livro.