É claro que eu ocasionalmente me arrisco com um bilhete de loteria (geralmente a Mega Sena), afinal não faz mal correr o risco de subitamente ficar milionário. Mas eu nunca aposto mais do que exatamente um bilhete e não tenho hábito de apostar nada mais. Isto é porque eu não acredito em sorteios, bingos, rifas, , milagres, títulos de capitalização ou acasos felizes. Não acredito porque jamais ganhei nada em minha vida. Todas as poucas coisas que tenho eu tive que comprar com dinheiro ganho trabalhando. Nunca alguém me disse “olha, aqui tem um carro novo para você” ou “você ganhou um milhão de reais”. Por outro lado, já passei por situações que deixaram claro que esse negócio de sorteios não é comigo.
Talvez o caso mais escabroso tenha sido um daqueles bingos promovidos por clubes esportivos que andavam na moda em meados dos anos noventa. Comprei uma cartela daquelas e fui para o campo do Operário de caneta na mão, debaixo de um sol de trinta e oito graus, para ouvir alguém gritar as dezenas sorteadas. Foram duas horas suando e sem beber água porque naquela época em que não havia caixa eletrônico eu não tinha sacado dinheiro durante a semana. Por fim, chegou o prêmio final, o grande prêmio, um automóvel novo (e não era qualquer automóvel, mas um bom automóvel). Os números se sucederam numa sequencia assombrosa que quase me fez perder o fôlego. Até que finalmente me vi a um número de completar a cartela. E assim fiquei por vinte e duas rodadas até que finalmente outra pessoa completou o bilhete e ficou com o carro.
Alguns de meus amigos mais chegados já perceberam essa minha característica. Os mais supersticiosos jamais me convidam para participar de um bolão. Há os que evitam ficar perto de mim se por acaso estivermos em uma quermesse e forem sortear um bingo ou correr uma rifa (que eu quase nunca compro, mas a minha mulher adora). Todas as vezes que as palavras “Você ganhou” me foram dirigidas, foram tentativas de golpe via telefone celular. Telefonemas inesperados invariavelmente são de credores me cobrando dívidas das quais eu não me lembrava. Dia desses reclamaram que deixei de pagar quatro meses de hospedagem de um site que eu cancelei há anos. Devem ter achado uma ficha sem cancelar no fundo de alguma gaveta e resolveram fazer uns cobres nela. Como o valor era pequenino eu preferi pagar.
Quando um conhecido se aproxima dizendo “preciso falar com você em particular”, sempre é para pedir a minha contribuição (monetária) para alguma causa. Nunca algum me chamou para dizer haviam contribuído para a minha causa. Todas as vezes em que tentei buscar apoio na religião, encontrei o carnê dízimo antes de topar com alguma dádiva divina. Não sei o que Deus espera, mas seus profetas esperam que eu pague pedágio para sentar no banco e cantar o hino. Tanto assim que já cheguei a concluir que não quero mais religião. Já que a graça não é de graça, eu fico com o que dá para comprar, ainda que sem graça.
As únicas pessoas que chegaram a me dar alguma coisa foram os meus familiares, mas eles, obviamente, só me deram o que eles próprios haviam antes comprado com o seu trabalho. De forma que isso não invalida o fato de que nada existe em minha vida, hoje ou ontem, que não tenha vindo com cheiro de suor, ou com ardência nos olhos de noites viradas a ler.
Causa-me espanto, considerando quem eu sou e esses valores que carrego desde antanho, que tanta gente viva ativamente a esperar pela loteria. Não falo de pessoas que ocasionalmente arriscam um bilhete, mas de gente que chega a fazer planos para depois de ganhar, gente que visita no sábado a imobiliária para ver preços de casas pensando no sorteio de logo mas à noite. Bem, talvez não chegue a tanto, mas deve ser bastante grande o número dos obcecados com sorteios, visto que este é um dos três assuntos predominantes na Internet e ganhar coisas de graça (honestamente ou não) é a razão de ser da maior parte das mensagens de correio eletrônico.
Enquanto digo isso, analisando friamente, chego a uma conclusão curiosa: se formos usar o spam como uma ferramenta para medir o que as pessoas são e pensam, temos de concluir que os grandes e mais prementes problemas da humanidade são, além dos sorteios, disfunção erétil, pênis pequeno, viúvas indefesas de milionários nigerianos, criancinhas americanas morrendo com câncer e a eterna e insaciável carência de Jesus por mais amigos.