Apesar de identificado quase absolutamente com tudo quanto a esquerda representa, eu confesso que sou um coração que ainda se agita quando ouve o bater de um tarol. As comemorações da Independência evocam lembranças boas de minha infância, era uma ditadura, mas nós éramos felizes. Havia censura, mas o mundo era um pouco mais inocente, éramos meninos e tínhamos nossos ídolos. Meus amigos e eu sonhávamos em estudar no Colégio Cataguases só para podermos desfilar no Sete de Setembro envergando o uniforme de gala com colete de brim vermelho e gravata preta. Batíamos continência para a fanfarra do SENAI, vestida de dólmã e fazendo malabarismo com as baquetas.
Por tudo isso que vivi, pelos sentimentos de amor à Pátria que eu ainda tenho, e que não vou esquecer em troca de espelhos e tabaco, como muita gente que abana o rabinho, feliz, na frente de um gringo, por tudo isso eu hoje me senti injuriado como poucas vezes.
Minha filha estava escalada para o coral que cantaria o Hino Nacional Brasileiro diante da sede da Prefeitura. Pela manhã bem cedinho lá estava eu para vê-la em seu momento de brilho. Por um momento me afastei para ir ao banco comprar créditos para o celular e quando voltei, me vi diante de uma cena quase inacreditável. Enquanto as escolas faziam o aquecimento de suas fanfarras e as crianças se reuniam no palanquinho para o momento do Hino, começou um culto evangélico em alto volume em uma igrejola que funciona ali perto.
A falta de respeito demonstrada pelo (ir)responsável por aquele culto foi tão gritante que várias pessoas perceberam, não somente eu. As crianças dando as primeiras batucadas e os alto falantes ecoando a voz de narrador de futebol do pastor mastigando as sílabas e terminado, vez em quando, numa palavra reconhecível. Sequer percebi o momento em que o Hino Nacional foi cantado pelo coral infantil, porque aquele demente sem civilidade estava atrapalhando as solenidades com seu alto falante.
Não há absolutamente nenhuma desculpa para o que ele fez. Ele fez realmente com o objetivo de afrontar as festividades. Ele não pode alegar que não sabia que haveria solenidade porque todo mundo sabe que Sete de Setembro e feriado, e todo mundo sabe o que acontece nesse feriado. Esta é uma data que está loonge de ser “surpreendente”. Não pode dizer que usou o alto falante porque as fanfarras estavam atrapalhando a reza porque lhe faltou o bom senso de antecipar ou adiar o culto, sabendo que era Sete de Setembro e haveria fanfarras. Em vez disso, o pastor preferiu o confronto, afrontando toda a comunidade ali reunida para o desfile e atrapalhando a solenidade do Hino Nacional.
Dirão que estou faltando com o devido respeito ao credo ou aos crentes representados naquela igreja. Pode ser. Mas que respeito aquela igreja mostrou para com a comunidade, as escolas, as fanfarras ensaiadas durante semanas, as crianças que cantariam o Hino, a Pátria representada naquela solenidade? Como podem querer respeito se não respeitam aos outros? Esta atitude, unilateral, grosseira, incivilizada e intolerante só serviu para mostrar quais são os valores ali cultivados. São os valores da imposição, do meu alto falante de milhares de watts gritando dentro do seu ouvido o que eu quero que você ouça, mesmo que você não queira. Jesus não merece seguidores assim, o Jesus que mandou pagar tributo a César e disse ao representante do Império Romano que seu reino não era deste mundo.
Minha revolta contra a afronta cometida por aquele pastor não é do tipo que será acalmada com um simples pedido de desculpas. Aliás, desculpas só servem para acalmar a consciência de quem errou. Para a vítima, só duas coisas servem: reparação e mudança. No caso é irreparável o dano, pois este Sete de Setembro foi irremediavelmente estragado naquela parte de sua solenidade. Mas seria bacana se no ano que vem os responsáveis por aquela igreja realizassem o seu culto um pouco mais cedo ou o adiassem para outro dia. Em respeito (que é bom e todo mundo gosta) não só à Pátria, mas às pessoas que acordam cedo para ver o desfile de seus filhos e para acompanhar o coral infantil cantando o Hino Nacional.
Os religiosos gostam de dizer que uma das importâncias da religião é ensinar “valores” aos fieis. Valores como respeito ao próximo, base de uma sociedade pacífica e estável. Respeito que os responsáveis pela organização daquele culto não manifestaram ter em relação a nós, que estávamos lá para ver os nossos filhos no desfile cívico. Alguns dirão que Jesus é mais importante do que isso. Mas nesse caso, se em nome de Jesus se pode abolir todas as regras de educação e civilidade, então o que impede que em nome dEle também se roube, se mate ou se cometa qualquer crime? E nesse caso, o amor de Jesus não fica reduzido ao mero do inferno, que gera uma obsessão egoísta de salvação, que não se importa com a sociedade? Que valores são esses? Qual a importância desta religião para a sociedade? Eis como uma religião se torna egoísta e monstruosa.
Não quero dizer que aquela religião em especial seja monstruosa, mas que os seus líderes não podem tolerar que floresçam nela atitudes egoístas e desrespeitosas para com o próximo, sob pena de se permitir que a monstruosidade medre. Se é verdade que Jesus quebrou as regras da sociedade ao curar no sábado, também é verdade que, além de tudo que disse sobre a convivência com o Estado (citado acima), ele também recomendou aos seus fieis que fossem mansos, “porque os mansos herdarão a terra”.
Não entendi, Flávio.
Poxa, JG eu simplesmente me cansei. Talvez até seja uma boa matéria prima para uma cronica, mas eu simplesmente me cansei de tentar convencer que TODOS devem ser respeitados e não apenas aqueles que concordam conosco…enfim…
Que absurdo! Fiquei indignada, só de imaginar a situação, ter passado por ela, então, deve ter sido desesperador. Uma total falta de senso… =/