Há momentos na vida em que nos surpreendo com coisas simples, quase a ponto de algum “suor dos olhos” me embaçar a visão. Sou do tipo emotivo a ponto de não gostar de filmes de guerra para não ver carnificina, mesmo que fictícia, e costumo achar finais felizes para meus personagens. Quão mais emotivo não sou quando me deparo com pedaços de minha própria memória recuperados por pessoas com quem interagi!
Há poucos minutos vi na barra lateral deste blogue um link para o blogue parceiro “Chicos Cataletras”, um e-zine literário de minha cidade natal, Cataguases. Ali estava o chamado para um mergulho em meu passado: a [Revista Literária Trem Azul]), de 1997.
Caro leitor, é até complicado controlar esses borbotões de lembranças. Eu tinha 24 anos, muitas ideias e hormônios, muita ingenuidade na cabeça e nenhuma experiência de mundo. Fiz uma revista literária em parceria com o meu amigo Emerson Teixeira Cardoso. Nós dois no conteúdo, com a ajuda de outro amigo meu, o Salvador Márcio (ah, Sassá, saudades daqueles nossos papos sobre música na varanda da casa dos seus pais, bons tempos aqueles!). A revista foi inteiramente digitada no Word 97 (o último grito em termos de edição eletrônica da época) e fotocopiada digitalmente em 100 exemplares pela extinta Tipografia Monteiro. Custou exatamente 300 reais a impressão, o que significava que, pelo preço de capa, teríamos 100 reais de prejuízo se vendêssemos TUDO. Bem, conseguimos alguns patrocínios (70 reais no total, se não me engano) e não, não vendemos tudo.
Mas esse singelo trabalho, adornado por nossas inocentes obras e por colaborações de amigos próximos (Waltencir Oliveira, Antônio Jaime) ou distantes (Ronaldo Cagiano), nos levou longe. Tivemos a ousadia de mandá-lo para gente de toda parte. Até para Cuba, Espanha, Itália, Argentina e Estados Unidos. Conseguimos contatos com escritores, chamamos a atenção a ponto de o número dois crescer imensamente. Esse foi nosso erro.
Contando com as vendas e os patrocínios, tivemos apenas 50 reais de prejuízo. Com a inflação adicionada isso daria uns 125 reais em dinheiro de hoje. Mas a ideia de crescer rápido nos fez ter prejuízos grandes com os números dois e três, o que impediu que a revista se estabilizasse.
Duas coisas curiosas sobre esta revista. A primeira é que ela parece bem mais bonita e agradável do que os números seguintes, feitos com mais “profissionalismo”. A segunda é que eu não possuo esse número em meu arquivo pessoal. Sobreviveu apenas um exemplar, no arquivo pessoal do Emerson, isso se ninguém a quem a gente a enviou tiver guardado. Pode ser a revista literária mais rara do Brasil!
Esta revista teve uma linda capa desenvolvida a partir de uma pintura em estilo naïf feita por uma garota natural de Astolfo Dutra, chamada Daniela (por onde andas, ó Daniela?). A pintura monocromática (preto e branco), em guache sobre papel canson, não existe mais, a menos que o Emerson a tenha salva em seus arquivos também. Se ele não a tiver, resta dela apenas este testemunho na capa da revista.
Como eu não tenho esse exemplar comigo, não tinha (até ontem) acesso ao original de meu ensaio “Literatura e Consciência” (meu ato inaugural de rebeldia, ao atacar o Concretismo e o elitismo de nossa literatura). Cheio de marxismo cultural e de ingenuidade em estado bruto, este texto certamente não seria escrito por mim hoje (embora eu continue cheio das mesmas coisas que o inspiraram), mas mesmo assim eu queria muito tê-lo no meu blogue. E graças à iniciativa do Chico Cataletras eu poderei tê-lo.