> [Original de Clark Ashton-Smith](http://letraseletricas.blog.br/lit/2013/05/traducao-abandonados-em-andromeda-clark-ashton-smith)
“Camaradas, eu os desembarcarei no primeiro mundo do primeiro sistema planetário que encontrarmos.”
A gélida determinação das palavras do Capitão Volmar era mais terrível do que qualquer demonstração de ira poderia ter sido. Seus olhos estavam frios e duros como gemas de safira sobre a neve e havia um rigor fanático no endurecimento de seus lábios após cada palavra pronunciada com rudeza.
Os três amotinados olharam sombriamente um aos outros e depois ao capitão, mas nada disseram. O automatismo equilibrado de Volmar e dos três outros membros da tripulação do transporte espacial faziam todo apelo ou argumento parecer absurdo. Eles sabiam que não poderia haver qualquer abrandamento de sua parte, austero marinheiro dos vácuos interestelares que sonhara em circunavegar o espaço e se tornar assim o Magalhães das constelações.
Por cinco anos dirigira a grande embarcação mais e mais longe da Terra e do sistema solar, que haviam ambos diminuído há muito até se tornarem pontos de luz nos telescópios — por cinco anos ele a movera em frente mais rápido que a velocidade dos raios cósmicos, através da noite sem fundo e sem margens, por entre as estrelas móveis e nebulosas. A configuração dos céus tinha mudado além de todo conhecimento, os signos não eram mais aqueles conhecidos dos astrônomos terrestres: distantes estrelas haviam surgido como sóis escaldantes e novamente sido reduzidas a estrelas e houvera o encontro fugidio com planetas estranhos. E ano a ano o terror frio das profundezas sem fim e o horror vertiginoso da infinitude incontável haviam crescido como uma lenta paralisia nas almas dos três homens, e a nostalgia da distante terra os havia subjugado com um mal estar indizível, até que não puderam mais suportar e fizeram sua apressada e mal planejada tentativa de tomar o controle da embarcação e voltá-la para casa.
Fora uma luta breve e desesperada. Avisado por um instinto sutil, Volmar suspeitara deles e estivera preparado e assim, ele os homens que lhe eram leais tinham se armado furtivamente de antemão, enquanto os outros fizeram seu ataque de mãos vazias, homem a homem. Todos os amotinados haviam sido feridos, embora não com gravidade, antes de serem subjugados, e o seu sangue gotejava no chão da ponte de controle enquanto estavam diante de Volmar.
Albert Adams, Chester Deming e James Roverton eram os nomes dos amotinados. Adams e Deming ainda eram bastante jovens e Roverton estava então se aproximando da meia idade. Sua simples presença na tripulação de Volmar era prova de capacidade intelectual e aptidão física superiores, pois todos haviam sido submetidos a exames dos mais rigorosos e prolongados. Um grande conhecimento de matemática, química, física, astronomia e outras áreas do conhecimento tinha sido exigido, bem como o conhecimento da mecânica e uma compleição física perfeita, de visão, audição e equilíbrio. Além disso, não é preciso dizer que pertenciam ao tipo mais ativo e aventureiro, pois nenhum homem comum teria se voluntariado para um projeto tal como o de Volmar. Inumeráveis viagens já tinham sido feitas à Lua e aos planetas próximos, mas antes daquela, exceto por uma viagem a Alfa Centauro feita pela expedição de Allen Farquhar, ninguém desafiara o vazio externo e as constelações.
Volmar e os três que lhe haviam permanecido leais eram do mesmo tipo: homens de devoção religiosa e quase desumana a um ideal, cientistas para quem nada mais importava fora da ciência, que eram capazes de martirizar-se e a outros se isso pudesse provar uma teoria ou contribuir para uma descoberta. E no próprio Volmar havia um espírito de louca aventura, um desejo de pisar aonde nenhum homem jamais estivera, a fria chama de um desejo imperativo da imensidão inexplorada. Os amotinados eram mais humanos, e os anos de estéril confinamento no transporte espacial, entre os terríveis abismos do infinito, longe de tudo o que é a vida das pessoas normais, havia alquebrado sua moral, por fim. Poucos, talvez, teriam suportado tanto quanto eles.
“Uma outra coisa”, a voz fria de Volmar continuou: “Eu os deixarei sem armas, provisões ou tanques de oxigênio. Vocês terão que prover-se por si mesmos… e é claro que é provável que a atmosfera, se alguma houver, se revelará imprópria para a respiração humana. Jasper vai agora atá-los, para que não aconteça mais nenhuma tolice.”
Alton Jasper, um conhecido astrônomo que era o primeiro oficial do transporte, deu um passo à frente e amarrou as mãos dos amotinados por trás deles usando uma corda. Depois eles foram trancados em um apartamento na parte de baixo da embarcação, acima da escotilha de entrada e saída. Este apartamento estava isolado de todos os outros e a escotilha era aberta a partir da ponte de comando, por meio de um aparelho elétrico. Lá os amotinados permaneceram em escuridão absoluta, exceto quando alguém entrava com uma escassa ração de comida e bebida.
Eras pareceram transcorrer e os três homens abandonaram o esforço de contar o tempo. Falavam pouco, pois nada havia a se dizer a não ser fracasso, desespero e o horrível e desconhecido destino que enfrentariam. Às vezes um deles, particularmente Roverton, tentaria valentemente contar uma piada, mas a risada que respondia era como o último jorro de uma coragem provada além da capacidade humana de resistir.
Um dia ouviram a voz de Volmar que os chamava através de um tubo de comunicação. Estava distante, alta e sem peso, como uma voz de uma altitude sideral.
“Estamos agora nos aproximando de Delta Andromedæ”, a voz anunciou. “Ela tem um sistema planetário, pois dois mundos já foram avistados. Devemos pousar e deixar vocês no mais próximo deles, em cerca de duas horas.”