> [Original de Clark Ashton-Smith](http://letraseletricas.blog.br/lit/2013/05/traducao-abandonados-em-andromeda-clark-ashton-smith)
Os dois estavam cansados demais de seus trabalhos hercúleos para que pudessem devotar muito tempo e energia à especulações do tipo. Encontraram um lugar abrigado em um ângulo formado pelas paredes e se sentaram. Estavam forçosamente sem comer desde a refeição que lhes fora dada pelos pigmeus ainda de madrugada e parecia não haver possibilidade imediata de encontrar o que comer. Estavam desesperados e não parecia haver nenhuma esperança de aliviar a depressão que envolvia aqueles homens condenados.
O sol já havia se posto, deixando um crepúsculo enrubescido que manchava o solo, as ruínas e as árvores mortas com uma tintura profunda de sangue. Um silêncio sobrenatural se impunha, um silêncio carregado com a sensação de um mistério estranho, o peso de uma antiguidade ultramundana que se agarrava àquelas ruínas. Os homens se deitaram e começaram a cochilar.
Acordaram simultaneamente, por um breve momento sem saber o que os acordara. O crepúsculo se tornara de um violeta vivo, embora as paredes e árvores ainda estivessem claramente discerníveis. Em algum lugar desse crepúsculo havia um zumbido estridente e irritante, que se tornava cada vez mais alto.
O zumbido chegou perto de uma vez, pairando em pleno ar. Ele crescera até um clamor ensurdecedor. Roverton e Deming viram que um enxame de insetos gigantescos, com bicos de doze centímetros, voejava em torno deles, como se não soubessem se deviam atacar. Parecia haver centenas dessas criaturas de aparência tão formidável. Uma delas, mais ousada que as outras, arremeteu-se e ferroou Deming nas costas da sua mão esquerda até que seu bico quase perfurou até a palma. Ele gritou alto com a dor e bateu no inseto com o seu outro punho. Ele arrebentou com o golpe e caiu ao chão, emitindo um fedor nauseante.
Roverton pôs-se de pé e quebrou um galho de uma das árvores. Ele o agitou contra o enxame, que recuou um pouco, mas não se dispersou. Uma ideia lhe veio e ele jogou o galho nas mãos de Deming, dizendo:
— Se você conseguir mantê-los afastados, eu vou tentar acender um fogo!
Enquanto Deming agitava sua arma ineficiente diante do exército indeciso, Roverton quebrou mais dos galhos mortos, empilhou-os e esmagou outros até virarem pó sob seus calcanhares. Então, na penumbra, achou dois pequenos fragmentos da rocha metálica na qual os edifícios haviam sido esculpidos e, batendo os fragmentos um no outro, obteve uma fagulha que caiu na pilha de poeira e a acendeu. A matéria era altamente combustível, pois em menos de um minuto a pilha de galhos estava queimando luminosamente. Aterrorizados pela luz, os insetos recuaram e os seus estrídulos logo diminuíram e desapareceram na distância.
A mão de Deming estava então dolorosamente inchada e latejando da ferroada que recebera.
— Esses brutos teriam acabado conosco se tivessem tido a coragem de nos atacar em massa — observou.
Roverton empilhou mais combustível na fogueira, para o caso do enxame voltar.
— Que mundo! — ele exclamou — Gostaria que Volmar estivesse aqui!
Nem bem ele disse isso e ouviu-se um zunido distante no céu crepuscular. Por um momento, os homens pensaram que o enxame de insetos retornara para atacá-los novamente, mas então o zumbido cresceu até um grande rugido. Um rugido de certa maneira familiar, embora nenhum deles pudesse determinar de imediato qual memória ele tendia a evocar. Então, onde as estrelas estavam começando a perfurar os vagos céus, eles viram a forma indistinta que descia em sua direção.
— Meu Deus! Aquilo é a espaçonave? — gritou Deming.
Com um rugido final e o rangido de seus propulsores, a forma veio repousar uns quinze metros distante do fogo. A luz cintilou em seu casco metálico e revelou a conhecida escada pela qual os três amotinados tinham descido em uma noite alienígena.
Uma figura desceu pela escada e veio em direção à fogueira. Era o Capitão Volmar. Sua face estava tensa e lívida à luz da fogueira e ele parecia mais velho do que os dois homens lembravam. Ele os cumprimentou rigidamente, com um estranho traço de constrangimento em seus modos.
— Estou certamente feliz por encontrá-los — ele anunciou, sem esperar que Roverton ou Deming respondessem à sua saudação — tenho sobrevoado esse maldito planeta o dia inteiro, esperando que houvesse uma chance em um trilhão de achá-los novamente. Eu não fiz nenhum registro do local em que os deixei naquela noite, então é claro que eu não tinha ideia de onde rpocurar. Estava quase desistindo quando vi o fogo e decidi investigar.
Ele continuou:
— Se voltarem comigo, deixemos o passado no passado. Estou sem tripulação agora, e vou ter de abandonar a viagem e voltar ao sistema solar. Começamos a ter problemas com as máquinas não muito depois que eu os deixei, e dois dos homens foram eletrocutados por um curto-circuito antes que o problema fosse consertado. Seus corpos estão flutuando em algum lugar no éter agora, eu lhes dei um funeral espacial. Então Jasper caiu doente e eu estou tripulando a nave sozinho nas últimas vinte e quatro horas. Eu lamento ter sido tão precipitado com vocês, eu certamente os deixei num tipo de mundo impossível. Eu o percorri todo durante o dia, e não há nada em lugar algum a não ser mares, desertos, brejos, pântanos, selvas de vegetação maluca, um monte de ruínas desoladas e nenhuma vida a não ser insetos superdesenvolvidos, répteis e uns poucos pigmeus trogloditas nas regiões subpolares. É mesmo um portento que sequer dois de vocês conseguiram sobreviver. Venham, vocês podem me contar sua história depois que estivermos a bordo da nave.
Roverton e Deming o seguiram enquanto ele subia de volta pela escada. A escotilha se fechou por detrás dele com um estrondo que foi mais gracioso aos seus ouvidos que qualquer música. Um minuto depois a nave ascendia aos céus pela curva do crepúsculo, até que encontrou a luz de Delta Andromedæ. Então ela correu pelos abismos siderais até que o grande sol se tornou uma estrela e começou a reassumir seu lugar devido em uma constelação cada vez mais recuada.