> [Original de Clark Ashton-Smith](http://letraseletricas.blog.br/lit/2013/05/traducao-abandonados-em-andromeda-clark-ashton-smith)
Os pigmeus tinham parado suas montarias e estavam discutindo excitadamente enquanto olhavam os terráqueos com suas órbitas redondas. Os sons que faziam dificilmente poderiam ser reproduzidos por cordas vocais humanas.
— Mlah! Mlah! Knurhp! Anhkla! Hka! Lkai! Rhpai! — eles gritavam uns para os outros.
— Acho que somos novidade tão grande para eles quanto eles para nós — observou Adams.
Os pigmeus pareceram chegar a uma decisão definida. Eles agitaram suas armas e chilrearam e seus corcéis lagartos se moveram em semicírculo até que todos estavam em uma posição rio acima em relação aos amotinados. Eles avançaram e os pigmeus apontaram para frente com suas facas pesadas e alabardas, como se mandassem os homens a seguirem à frente deles. Não havia nada a fazer senão obedecer, pois as criaturas lagarto, quando se aproximaram, abriram bocas cavernosas cujos dentes pareciam estalactites e estalagmites. Roverton e seus companheiros foram forçados a seguir em um passo de maratona para se manterem adiante deles.
— Estão nos tocando como gado! — berrou Roverton.
Quando se aproximaram da massa coberta de roxo que os pigmeus tinham estado cortando em pedaços, fizeram uma parada e os pedaços cortados foram carregados em grandes cestos, que foram então amarrados às costas dos monstros por meio de um arreio curioso que parecia feito de tripas de animais. Os homens foram mantidos no centro da tropa enquanto tudo acontecia. Não havia fuga possível e eles se resignaram com o máximo de calma científica que podiam ter.
Depois que o carregamento tinha sido terminado, os pigmeus reiniciaram seu avanço pela margem do córrego, empurrando seus cativos consigo. A neblina tinha então começado a subir e desaparecer, e um globo solar amarelo difuso se tornou discernível bem baixo nos céus, sobre um horizonte de serras. O rio mudou abruptamente de curso depois de um quilômetro e meio, mais ou menos, e correu através de uma planície desolada em direção a um grande lago ou mar que preenchia a distância com um semitom de púrpura claro. Ali a tropa abandou o curso d’água, levando os prisioneiros em direção às montanhas distantes.
A paisagem se tornou ainda mais nua e desértica à medida que Roverton e seus companheiros corriam desatinadamente diante dos papos arreganhados dos monstros. Não havia mais das massas peludas devoradoras de insetos, nem mesmo os próprios insetos ou outra forma de vida. A planície era como uma vasta várzea de lama primordial ressecada, ou o leito de um oceano evaporado.
A fome e o cansaço atormentavam os homens. Eles eram empurrados sempre adiante a um passo impiedoso e incansável, até que eles ofegaram e seus músculos ficaram endurecidos pela fadiga. Parecia que horas se passavam, mas o sol baço não subia muito acima do horizonte. Ele percorria um arco baixo, como o sol das regiões subpolares. As montanhas não ficavam mais perto, mas se afastavam sob os vastos e vagos céus.
A planície começou, então, a revelar detalhes até então despercebidos. Colinas baixas apareceram, as ondulações se aprofundaram. Ravinas nuas de uma rocha semibasáltica escura e sombria a interrompiam às vezes. Mas ainda não havia sinais de vida, nada de plantas, nada de árvores, nenhuma habitação. Os amotinados se perguntaram, exaustos, aonde eram levados e quando chegariam ao destino buscado por seus captores. Eles tampouco imaginavam como seria quando chegassem.
Então foram levados por uma ravina pela qual corria uma torrente rápida. A ravina se aprofundou e altíssimos rochedos que chegavam a altura de trinta metros ou mais a ladeavam de cada lado. Contornando uma curva fechada, os homens viram diante de si um amplo espaço plano na margem e acima desta um rochedo marcado por várias linhas de bocas de cavernas e pequenos degraus cortados na pedra. Dezenas de pigmeus, do mesmo tipo que os seus captores, estavam reunidos diante das entradas das cavernas inferiores. Um chilrear animado começou entre eles diante da visão da tropa e dos prisioneiros.
— Trogloditas! — exclamou Roverton, sentindo, apesar de sua fadiga, o aguçado interesse de um cientista.
Ele e os seus companheiros foram imediatamente cercados pelos pigmeus, alguns dos quais, a um exame mais detido, pareciam ser de sexo diferente daqueles que haviam encontrado primeiro. Havia também uns poucos jovens, os menores deles não muito maiores que porquinhos da índia.
Os membros da tropa desmontaram e começaram a descarregar os cestos com a ajuda dos outros. As postas da substância branca carnosa foram empilhadas no chão, ao lado de várias grandes lajes chatas de pedra. Quando o descarregamento foi completado, os pigmeus puseram algumas das postas sobre estas lajes e começaram a bater nelas com pesadas mãos de pilão. Eles acenaram aos homens, mandando que fizessem o mesmo.
— Eu acho que a coisa é usada como alimento — concluiu Adams. Talvez seja a fonte de vida entre essas criaturas.
Ele e os outros escolheram seus instrumentos e começaram a bater em uma das lajes. O material foi facilmente reduzido a uma massa cremosa fina. Ela produzia um forte odor, que estava longe de ser desagradável, e apesar de certas lembranças muito repulsivas, os três homens tomaram consciência de que estavam extremamente famintos.
Quando todas as lajes estavam cobertas da massa, os pigmeus começaram a devorá-la sem mais formalidades, usando não apenas suas mãos membranosas, mas também suas trombas preênseis para levar a comida até suas duas bocas. Eles acenaram aos homens que eles poderiam fazer o mesmo.
A pasta tinha um sabor salino e lembrava vagamente uma mistura de peixe marinho com alguma raiz vegetal nutritiva. Era bastante palatável de um modo geral, e serviu muito bem para aliviar as agonias da fome de uma maneira bem satisfatória. Ao fim da refeição foi trazido um tipo de bebida fermentada de cor amarelo-esverdeada e muito acre, mas toa a fadiga desapareceu depois de uns poucos goles e os amotinados foram capazes de analisar sua situação com renovadas esperança e coragem.
Muitas horas foram então empregadas socando o resto das postas. A massa foi armazenada em urnas de boca larga e estas foram levadas para as cavernas inferiores. Roverton e seus camaradas foram alistados para ajudar nessa tarefa. As cavernas eram muito baixas para permitir que ficassem de pé, e eram muito escuras e sombrias, com muitas ramificações de comprimentos irregulares. Os móveis eram bastante primitivos, como era de se esperar, ainda que houvesse uma bem vinda medida de limpeza. As cavernas estavam cheias de um odor defumado e em uma delas havia um pouco de fogo queimando. O combustível parecia um pouco com turfa. Havia assentos pequenos, cobertos de um couro sem pelos, provavelmente de criaturas parecidas com as coisas-lagarto.
O sol baixo já tinha se escondido atrás dos rochedos quando a última urna foi levada para dentro das cavernas. Um crepúsculo frio e verde se formou pelos cursos verdes, engrossado por vapores diáfanos que subiam. Os monstros lagarto foram conduzidos para uma caverna maior que as outras, que ficava separada a uma boa distância. Obviamente ela servia como estábulo. Então os pigmeus se retiraram para as suas cavernas, em grupos de dois ou três, depois de indicarem uma gruta que os homens deveriam ocupar. Quatro pigmeus, armados com suas estranhas alabardas e facas pesadas, ficaram de guarda à entrada.
A escuridão entrou na gruta como uma preamar de ondas silenciosas e discretas. Com sua vinda, profunda letargia subjugou aos homens — uma reação a toda a tensão, esforço e dureza que tinham suportado, cobradas por todas as impressões novas de coisas extraterrestres que seus nervos tinham aguentado. Eles se esticaram no chão, usando como travesseiros os pequenos assentos junto às paredes. Em poucos minutos estavam dormindo.
Despertaram com o som de uma miríade de pios e rangidos do lado de fora da caverna, na pálida neblina da manhã.
— Parece uma conferência — concluiu Roverton, ao se arrastar para a entrada.
Olhando fora, ele viu que mais de uma centena de pigmeus, metade dos quais deveriam ter chegado de alguma outra comunidade, se reunia na margem do riacho e se dedicava a um debate acalorado. Todos ficavam olhando com suas órbitas redondas em direção à caverna ocupada pelos amotinados. Suas palavras, expressões e gestos eram tão remotos em relação a qualquer coisa familiar à humanidade que era impossível adivinhar o rumo ou o teor do debate, ou saber se a decisão a que estavam chegando era amistosa ou não.
— Eles me apavoram — disse Deming. Não sabemos se vão nos comer ou nos fazer seus deuses tribais.