> [Original de Clark Ashton-Smith](http://letraseletricas.blog.br/lit/2013/05/traducao-abandonados-em-andromeda-clark-ashton-smith)
Os três subitamente tomaram consciência de uma fadiga arrasadora e persistente, uma reação irresistível a todo o perigo e sofrimentos por que tinham passado. Mas a perspectiva de emergir desse submundo de horrores misteriosos fê-los reunir as forças restantes dos membros encharcados, nadarem em direção à boca da caverna e flutuarem através de sua abertura negra rumo ao brilho prateado de um grande lago. Este era, provavelmente, o mesmo visto no dia anterior. Sua aparência era inefavelmente estranha e desolada. Altos rochedos com muitos contrafortes e chaminés se erguiam acima da caverna de que tinham emergido e se estendiam de ambos os lados em linhas descendentes até sumirem em grandes vargens de pântanos e areias. Não havia nenhum sinal de vegetação em lugar algum — nada senão a pedra nodosa dos rochedos, a lama cinzenta das charnecas e as águas mortas e desbotadas. A princípio, os homens pensaram que não havia nenhum tipo de vida. Nadaram ao longo do rochedo, buscando lugar para pisar. As vargens de pântanos e areias pareciam a quilômetros de distância e o progresso no lago preguiçoso era excruciantemente lento e tedioso. Sentiam-se como se as águas estéreis e estranhas os tivessem empapado até os ossos e uma inércia mortal os subjugava e dopava seus sentidos até tudo se confundir em uma mancha monótona e vaga. Estavam exaustos demais para falar, até para pensar. Confusa e desesperadamente, bracejaram rumo à meta sempre recuada de uma margem distante. De algum modo, perceberam que uma sombra recaíra sobre si, rompendo o brilho difuso do sol perdido na neblina. Estavam cansados demais para olhar para cima, ou mesmo especular a origem da sombra. Então ouviram um berro ríspido e trepidante e um bater como de asas rígidas e enormes, e algo mergulhou em sua direção e pairou sobre eles. Virando suas cabeças na água, os três homens viram uma coisa incrível. A coisa que lhes sombreava era uma criatura alada gigantesca com asas ossudas de couro que teriam pelo menos quinze metros de ponta a ponta. Lembrava aquele monstro voador pré-histórico, o pterodátilo, mas também um pelicano, porque abaixo de seu bico de dois metros havia um papo prodigioso. Mal podendo crer nos seus olhos, os nadadores contemplaram a aparição que pairava sobre si. Ela os vigiava com olhos malévolos e ardentes, grandes como pratos, e então, com horrível agilidade, ela desceu. Adams, que estava mais perto, sentiu o grande bico se fechar sobre si e erguê-lo da água, e antes que pudesse entender o que estava acontecendo ele se achou no seu papo. Deming foi capturado e posto ao seu lado um momento depois e Roverton, que tinha instintivamente mergulhado abaixo da superfície, foi buscado e arrastado pelo bico pescador como se fosse um linguado e se juntou aos outros dois.
Inteiramente atordoados, tatearem na fétida escuridão do papo e foram derrubados, prostrados e amontoados enquanto o monstro arremetia rumo aos céus. Havia coisas parecidas com enguias retorcendo-se sob seus pés e respiravam uma mescla de fedores sufocantes. Nada podiam ver, mas a escuridão em que jaziam não era um negrume absoluto, pois as paredes do papo eram bastante transparentes para que a luz criasse uma penumbra sangrenta. Podiam ouvir alto o bater das asas de couro, sentir o palpitar ritmado de sua vibração e, enquanto tentavam se habituar à peculiar situação, tiveram a impressão de que eram levados em um voo vertiginoso, a uma grande altitude. Roverton foi o primeiro a falar.
— Dentre todos os improváveis desdobramentos, nenhum autor de ficção ousaria imaginar isso! Suponho que a criatura tem um ninho em algum lugar e nos está levando para casa a fim de dar de comer aos filhotes ou ao parceiro.
— Ou tento capturado um suprimento de carne viva, está indo a algum lugar seguro para ingerir suas vitaminas — sugeriu Adams.
Um riso tímido respondeu a piada.
Bem, — adicionou Deming — de qualquer forma, estamos ganhando uma carona grátis, pelo menos uma vez não temos que andar, correr ou nadar.
O tempo passou de uma forma duvidosa e confusa. O bater das asas tinha diminuído até se tornar um leve sibilado tal como no voo sem esforço de um imenso abutre ou ave de rapina. Ainda havia, porém, a sensação de prodigiosa velocidade, de horizontes e horizontes deixados para trás, de planícies e águas e montanhas desaparecendo em uma rápida sucessão.
Os homens ficaram enjoados e tontos com o ar nocivo de sua prisão, recaíram em períodos de semiconsciência de que acordavam assustados. No novo horror de sua posição eles quase perderam a noção de identidade, como se fossem parte de um pesadelo monstruoso ou alucinação.
Depois de um tempo indeterminado, sentiram uma desaceleração do voo e ouviram outra vez os atordoantes estalos daquelas grandes asas, à medida que o pássaro mergulhava em direção ao chão. Parecia descer de altura superior à dos Alpes, com tremenda velocidade.
Então a descida foi interrompida com um movimento abrupto, como a parada de um elevador. A um súbito jorro de luz no interior do papo, Roverton e os seus companheiros perceberam que a criatura tinha aberto o bico como se fosse capturar algo. Então, com um grito rouco e ensurdecedor, começou a se agitar em uma estupenda convulsão, atirando os homens violentamente de um lado para outro dentro do papo flácido. Era impossível imaginar o que acontecia, toda a circunstância era supremamente misteriosa e assustadora.
Adams e Deming foram praticamente nocauteados pela sacudida que levaram e Roverton foi o único que conseguiu reter alguma coisa de sua consciência. Ele compreendeu que o pássaro estava envolvido em algum tipo de briga ou combate. Depois de um breve intervalo, os seus esforços ficaram menos agitados e menos fortes, e por fim, com berro diabólico e rouco, ele pareceu cair e ficar imóvel, a não ser por estremecimentos ocasionais que se sentiam no corpo e no pescoço, com o qual se comunicava o papo. Esses estremecimentos diminuíam em força e frequência. O pássaro estava então caído de lado, e entrava luz no papo diretamente através de seu bico arreganhado.
Certificando-se de que os seus companheiros já haviam recuperado os sentidos, Roverton se arrastou na direção da luz. Os outros o seguiram. Retorcendo-se através da boca babosa, onde gotejava um fluido parecido com sangue, Roverton conseguiu ficar de pé, ainda tonto, e olhar em volta.