Você já deve ter visto antes nas redes sociais: autor semiprofissional ou totalmente amador lança seus livros, lança saite, ou lança palavras na poeira, como eu. Todos procuram um lugar ao sol, mas nem todo mundo tem uma boa assessoria ou uma boa noção do que dizer. O resultado é que esses autores coloquem frequentemente os pés pelas mãos, ou digam bobagens achando que são naturais.
As bobagens, curiosamente, sempre se repetem. Não há bobagens ditas isoladamente por uma única pessoa. Uma dessas bobagens que eu vejo frequentemente repetida é a expressão “poeta e escritor” (ou vice versa). O que passava pela cabeça de quem concebeu isto pela primeira vez?
Antes que venham me dizer que existe uma razão de ser para isso, eu preciso seriamente indagar a quem pretenda defender esta discriminação:
- Acaso poetas não são escritores?
- Ou a poesia é o único gênero de escrita que precisa ser considerado à parte dos outros?
- Alguém que apenas faça poesia não é escritor?
Parece-me que esta expressão é um tipo de ignorância. Se estudada ou espontânea eu não vou tentar adivinhar. Mas é óbvio que ela esconde nuanças diversas. Por exemplo: ela esconde que a maioria dos auto-intitulados “escritores” são, na verdade, “ficcionistas” (autores de obras de ficção). Mas a expressão “poeta e ficcionista” não soa suficientemente informativa a um grande número de pessoas que são ignorantes do sentido da palavra.
Trata-se de um tipo de redução parecido com o que ocorre em relação aos subgêneros da ficção. Cada vez é mais comum que os jovens autores digam que escreveram “livros”, quando, de fato, escreveram romances, novelas ou noveletas. Como não me passa pela cabeça desses jovens que os gêneros de ficção longa sejam os únicos que mereçam ser qualificados de “livros”, imagino que eles, de fato, desconhecem os nomes dos subgêneros e apenas diferenciam entre um “livro” e um texto que é lido avulsamente (ou pode ser). Ou melhor, a diferença entre postagens de seus blogues e obras publicadas.
O que se esconde por debaixo destas novas categorias não é uma evolução da linguagem e nem é reflexo de mudanças do fazer literário — porque tais mudanças não se processam em outras línguas. Isso decorre apenas da falta de cultura de nossos escritores. O escritor brasileiro médio (não me refiro aos que chegam às grandes editoras e ao estrelato) é um ignorante, alguém que leu pouquíssimo ou, se leu muito, leu focado em um ou dois gêneros apenas, e gêneros pobres em referências. O escritor brasileiro médio (reitero que me refiro à massa de amadores que sonha) não tem referencial teórico nenhum e ainda acha que isso lhe ajuda a ser original, como se a ignorância fosse um superpoder.
E essa ignorância faz mal à literatura como um todo, porque perpetra e perpetua distorções, como a de achar que a poesia é “outra coisa” em relação à literatura ou não saber diferenciar gêneros textuais. Esse mal, que é criado e perpetrado pelos autores ignorantes da própria coisa que fazem, acaba respingando no público, que normalmente teria no literato uma referência da própria literatura.
Em outra época o escritor era tido como “intelectual”, a ponto de a publicação de livros valer como título de pós-graduação. Mas se o “intelectual” é ignorante (outro ser da estranha fauna brasileira a que se referia o Tim Maia) ele não pode senão reforçar a ignorância de quem o lê, e o resultado é o fechamento cada vez maior dos espaços para o conhecimento. Chega-se ao ponto em que noções foram esquecidas, palavras foram abandonadas, técnicas foram perdidas e, acima de tudo, o leitor desconhece a referência do bom e do ruim, do certo e do errado.
Esse é, aliás, o ponto em que estamos.