Entre todos os empregos do mundo, talvez os bancos sejam os que proporcionam o maior número de histórias curiosas, não só dos complexos relacionamentos entre os funcionários e a hierarquia, visível e invisível, mas também da interação com toda uma fauna de clientes e seus comportamentos surpreendentes. De vez em quando eu me lembro de algum episódio, ocorrido comigo ou com algum amigo e, se houver transcorrido suficiente tempo para dificultar a identificação do personagem, me disponho a compartilhar com os leitores. O episódio de hoje me veio à mente ao ler um trecho dos “Paraísos Artificiais” de Baudelaire, que, por consequência destas ligações imprevisíveis que a mente faz, me remeteu ao conceito muito moderno de paraísos fiscais.
Minha cliente era uma mulher alta, corpulenta e bem talhada, nos seus últimos vinte anos ou primeiros trinta. Seu cabelo era longo, profunda e talvez artificialmente negro, mas a sua pele tinha um tom moreno natural, tão perfeito que não parecia efeito de qualquer química ou ritual solar. Não fosse pelos seus dentes manchados pelo hábito excessivo de fumar eu a teria considerado atraente, mesmo com seu perfume madeirado e vulgar e as suas roupas bregas.
Ela me aguardava terminar o serviço batucando as unhas na mesa e vigiando o pacote de cigarros em sua bolsa, como se mal pudesse esperar para sair à rua e acender outro. Quando terminei de lhe relacionar a documentação necessária, ela ergueu as sobrancelhas e abriu os lábios, mostrando sua dentição cinza-sépia, e reclamou:
— Você não acha que esse banco pede muita informação? Meu negócio é legítimo, não vendo coisas proibidas e nem emprego trabalho escravo. Sou uma artesã honesta, e vocês me pedem tanta informação e documentos que até parece que eu sou dessas que mandam suas economias para as Ilhas Cannabis.
No momento exato em que ela terminou a frase eu já senti certo constrangimento, da parte dela, que se deu conta instantaneamente do ato falho, e da minha, que não sabia como reagir diante da vontade de rir.
— Quero dizer, as Ilhas Canárias, claro.
— Claro, senhora, claro. — Eu disse, tentando não cair no riso.
Após isso a mulher não se recusou mais a assinar nenhum papel e deixou minha escrivaninha tão logo foi possível, sem mais reclamar de excesso de documentos ou procedimentos para abrir a conta. O colega que trabalhava na mesa ao lado, não teve o mesmo cuidado de se segurar. A cliente nem tinha dado cinco passos para longe de mim e ele já me sussurrava:
— Essa é uma que certamente pensa muito em cannabis, tanto assim que nem se deu conta de que as Ilhas Canárias não são um paraíso fiscal.