Haines e Chanler, cheios de curiosidade, começaram a fazer muitas perguntas, mas a maioria era respondida de forma vaga ou ambígua por Ta-Vho-Shai, que parecia ansioso por continuar ciceroneando-os por outras partes de Ravormos. Ele não lhes pode dizer nada sobre a natureza química dos gases, e mesmo Vulthoom, se a sinceridade de Ta-Vho-Shai era confiável, era um mistério até para os seus próprios seguidores, que em sua maioria nunca o haviam visto pessoalmente.
Ta-Vho-Shai conduziu os terráqueos para fora da sala das garrafas, por uma caverna longa e estreita, totalmente deserta, onde ribombos e batidas de inumeráveis máquinas vinham ao seu encontro. O som os atingiu como uma Niágara de trovões malignos quando eles finalmente emergiram em uma espécie de galeria ladeada de pilastras, que passava ao redor de um abismo de uma milha de largura, iluminado pelas terríveis fulgurações de línguas de fogo que subiam incessantemente de suas profundezas.
Era como se olhassem para dentro de um círculo infernal de luz raivosa e sombra torturada. Muito abaixo eles viram uma estrutura colossal de vigas curvas e brilhantes, como os ossos estranhamente articulados de um beemote estendido por sobre o fundo do abismo. Ao redor dele, fornalhas arrotavam como as bocas flamejantes de dragões, guindastes tremendos subiam e desciam perpetuamente com um movimento como o de plesiossauros pescoçudos e as figuras de gigantes, vermelhos como demônios operários, se moviam por entre a claridade sinistra.
— Eles constroem a nave etérea na qual Vulthoom viajará para a Terra — disse Ta-Vho-Shai. Quando tudo estiver pronto a nave arrebentará seu caminho até a superfície usando desintegradores atômicos. A própria rocha derreterá diante dela, como vapor. Ignarh-Luth, que fica diretamente acima, será consumida como se os fogos centrais do planeta tivessem sido liberados.
Haines e Chanler, espantados, não puderam oferecer qualquer réplica. Mais e mais estavam atordoados pelo mistério e pela magnitude, o terror e a ameaça daquele mundo cavernoso e insuspeitado. Naquele momento sentiram que um poder maligno, armado com incontáveis arcanos da ciência, planejava uma conquista funesta, uma sentença que poderia condenar os mundos habitados do sistema solar estava sendo incubada em segredo na escuridão. Mas eles próprios, ao que parecia, estavam impossibilitados de escapar e dar o alarme, e o seu próprio destino estava sob a sombra de trevas insolúveis.
Uma rajada de vapor quente e metálico, subindo do abismo, queimou corrosivamente em suas narinas quando olharam da beira da galeira. Nauseados e tonteando, eles recuaram.
— O que há além deste abismo? — perguntou Chanler, quando a sua náusea passou.
— Esta galeria leva a outras cavernas, pouco usadas, que conduzem ao leito seco de um antigo rio subterrâneo. Tal leito, correndo por muitos quilômetros, emerge em uma depressão desértica, muito abaixo do nível do mar, que fica a oeste de Ignarh.
Os terráqueos se surpreenderam com esta informação, que parecia lhes oferecer uma possível rota de fuga. Ambos, porém, acharam melhor dissimular seu interesse. Fingindo cansaço, perguntaram ao Aihai se ele poderia conduzi-los a alguma câmara onde pudessem descansar um pouco e pensar com calma na proposta de Vulthoom.
Ta-Vho-Shai, dizendo estar ao seu serviço de todas as formas, levou-os a uma pequena sala além dos laboratórios. Era um tipo de quarto de dormir, com dois níveis de divãs junto às paredes. Esses divãs, pelo seu tamanho, eram evidentemente planejados para acomodar os gigantes marcianos. Lá Haines e Chanler foram deixados a sós por Ta-Vho-Shai, que tacitamente imaginara que sua presença não era mais necessária.
— Bem, — disse Chanler — parece que há uma chance de fugir se pudermos pelo menos chegar ao leito do rio. Tomei nota cuidadosamente dos corredores que seguimos em nosso retorno da galeria. Seria bem fácil — a menos que nos estejam vigiando sem sabermos.
— O único problema é que é fácil demais. Mas de qualquer maneira, podemos tentar. Qualquer coisa será melhor do que esperar desse jeito. Depois de tudo que vimos e ouvimos, começo a acreditar que Vulthoom é realmente o demônio, embora ele não diga que é.
— Esses Aihai de três metros me dão medo — disse Chanler. Posso facilmente acreditar que eles têm um milhão de anos de idade, ou algo assim. Enorme longevidade explicaria seu tamanho e altura. A maioria dos animais que sobrevivem além do normal se tornam gigantes e parece racional supor que os marcianos se desenvolveriam da mesma forma.
Foi uma coisa simples refazer seu caminho até a galeria das pilastras que circundava o grande abismo. A maior parte da distância eles só tiveram que seguir um corredor principal e os sons das máquinas ribombando os teria guiado. Não encontraram ninguém nas passagens e todos os Aihai que viram dentro de laboratórios cujas portas ficavam abertas estavam profundamente ocupados com químicas complicadas.
— Não gosto disso — murmurou Haines. Está bom demais para ser verdade.
— Não tenho tanta certeza disso. Pode ser que simplesmente não tenha ocorrido a Vulthoom e seus seguidores que tentaríamos escapar. Afinal, nada sabemos de sua psicologia.
Mantendo-se próximos da parede interna, atrás dos grossos pilares, seguiram a longa galeria que curvava lentamente para a direita. Ela só era iluminada pelos reflexos assustadores das altas chamas no poço abaixo. Movendo-se assim eles estavam escondidos da vista dos gigantes operários, se algum resolvesse olhar para cima. Vapores venenosos eram, às vezes, soprados sobre eles e sentiam o calor infernal das fornalhas, o estalo de soldas e o trovejar de obscuros maquinismos, que os atingiam com reverberações que eram como marteladas enquanto andavam.
Aos poucos circularam o abismo e chegaram enfim ao lado oposto, onde a galeria curvava de volta em seu retorno ao corredor de entrada. Ali, nas sombras, eles perceberam a boca escura de uma grande caverna que partia da galeria.
Tal caverna, concluíram, os levaria até o leito do rio subterrâneo de que Ta-Vho-Shai lhes falara. Haines, por sorte, levava consigo uma pequena lanterna de bolso e dirigiu seu raio para a caverna, revelando um corredor reto, com numerosas intersecções. A noite e o silêncio parecia engoli-los de uma bocada só e os clangores dos Titãs trabalhadores foram rápida e misteriosamente silenciados quando correram pelo lugar vazio.
O teto do corredor era provido de hemisférios metálicos, então escuros e sem energia, que haviam servido um dia para iluminá-lo da mesma forma que os outros lugares de Ravormos. Uma poeira fina foi levantada pelos pés dos Terráqueos enquanto fugiam, e logo o ar esfriou, perdendo o calor agradável e um tanto úmido das cavernas centrais. Era evidente, tal como Ta-Vho-Shai lhes dissera, que aquelas passagens eram raramente usadas ou visitadas.
Pareceu que seguiram por quase dois quilômetros naquele corredor tartáreo. Então as paredes começaram a se estreitar, o chão ficou irregular e íngreme. Não havia mais passagens laterais e a esperança aumentou nos terráqueos, ao perceberem claramente que haviam deixado as cavernas artificiais e chegado a um túnel natural. O túnel logo se alargou e o seu chão se tornou uma série de formações em degraus. Por meio destes eles chegaram a um abismo profundo que era obviamente o leito seco de que Ta-Vho-Shai lhes falara.
Vulthoom – Clark Asthon Smith | Leituras Paralelas
Parabéns pela tradução!
Sei o quanto é difícil traduzir, pois também me enveredo por esses caminhos tortuosos traduzindo contos e livros pouco conhecidos ou ignorados na nossa língua inculta e bela.
Já traduzi Metropolis, algumas coisas de Phillip K. Dick e atualmente estou concluindo a tradução de A Desagradável Profissão de Jonathan Hoag de Robert A. Heinlein.
Bom trabalho, e continue assim! Lembre-se que sempre existirá alguém que ficará muito agradecido e será muito beneficiado com seu esforço!
Vulthoom – Clark Ashton Smith « Exilado dos livros