Por residir junto ao mar boreal, o feiticeiro Evagh costumava ver muitos portentos inesperados no verão. O sol ardia gélido sobre Mhu Thulan, pendente de um firmamento límpido e desbotado como gelo. Ao entardecer a aurora se estendia do horizonte ao zênite, como uma cortina de um palácio dos deuses. Débeis e raras eram as papoulas e pequenas as anêmonas nos vales que entremeavam os rochedos além da casa de Evagh, e os frutos de seu jardim murado eram pálidos por fora e verdes por dentro. Ele também contemplava durante o dia a fuga inesperada de grandes multidões de aves, que se dirigiam para o sul a partir das ilhas ocultas além de Mhu Thulan, e à noite ele ouvia o clamor perturbador de outras multidões passageiras. E sempre, contra o vento ruidoso ou o rugido da maré, ele escutava o sussurro estranho das vozes dos países de inverno perene.
Mas Evagh estava preocupado com esses portentos, tanto quanto os rudes pescadores das margens da baía abaixo de sua casa. Sendo um mestre completo em todo sortilégio e um vidente de coisas remotas e futuras, ele fez uso de suas artes em um esforço para adivinhar o seu significado, mas havia uma nuvem sobre seus olhos durante o dia e uma escuridão dificultava-lhe a visão quando tentava buscar o esclarecimento em sonhos. Seus mais astutos horóscopos resultaram em nada, seus familiares estavam quietos ou lhe respondiam ambiguamente, e havia confusão em toda a sua geomancia, hidromancia ou aruspicações. E Evagh teve a impressão de que um poder desconhecido trabalhava contra si, zombando de seus esforços e tornando-os impotentes de uma forma tal que sua feitiçaria nunca fora derrotada. E Evagh soube, por meio de sinais perceptíveis somente aos magos, que tal poder era maligno e sua aproximação era uma desgraça para os homens.
Dia após dia, através do verão, os pescadores saíram em suas barcas de salgueiro e couro, lançando as redes. Mas delas só saíam peixes mortos, que pareciam fulminados por fogo ou por um frio extremo, e também monstros vivos, de espécies que mesmo os mais velhos capitães nunca haviam visto, coisas de três cabeças, com caudas ou nadadeiras horrendas, coisas amorfas e descoloridas que se dissolviam em líquidos fétidos e escorriam por entre os nós, ou coisas sem cabeça que pareciam luas inchadas, com raios verdes e gelados em volta, ou coisas com olhos leprosos e envoltas em uma baba grossa e pegajosa.
Então, vinda do horizonte do norte, aonde os navios de Cerngoth costumavam ir labutar entre as ilhas do Ártico, surgiu uma galera à deriva, com remos inertes e um leme que girava sem destino. A maré a encalhou entre os botes dos pescadores, que não se aventuravam mais no mar, mas se refugiavam nas areias logo abaixo do rochedo onde tinha Evagh a sua casa. Percorrendo a galera, presas de espanto e medo, os pescadores contemplaram seus remadores imóveis nos assentos e o capitão ao leme. Mas as mãos e faces de todos estavam duras como ossos e brancas como a pele de um leproso, e as pupilas de seus olhos abertos tinham desbotado curiosamente, sendo indistinguíveis do branco, e havia uma horrível brancura neles, como uma poça profunda que congelou até o fundo. E o próprio Evagh, mais tarde, também contemplou a tripulação da galera e refletiu muito a respeito da importância de tal prodígio.
Os pescadores tiveram nojo de tocar aqueles mortos e começaram a murmurar que havia uma maldição no mar, sobre todas as coisas e pessoas que o percorriam. Mas Evagh, achado que os corpos apodreceriam ao sol e trariam pestilência, os comandou a erguer uma pilha de destroços em torno da galera, e quando a pilha se erguera acima da amurada, escondendo da visão os remadores mortos, ateou-lhe fogo com suas próprias mãos.
A pilha queimou muito alto, a fumaça subiu escura como uma nuvem de tempestade e foi soprada pelo vento para além das torres de Evagh, por entre os rochedos. Mas depois, quando o fogo se apagou, os corpos dos remadores foram vistos sentados entre as brasas e os seus braços ainda estavam estendidos na posição de remar e seus dedos estavam ainda cerrados, embora os remos tivessem se desfeito em carvões e cinzas. E o capitão da galera ainda estava de pé em seu lugar, embora o leme queimado estivesse caído a seus pés. Nada fora consumido senão as vestes dos corpos marmóreos e eles brilhavam como estátuas ao luar por entre os pedaços de madeira enegrecidos pelas chamas, sem qualquer mancha que lhes tivesse sido causada pelo fogo.
Os pescadores viram nisso um portento maligno e ficaram apavorados, e todos fugiram logo para os rochedos mais altos. Somente ficaram com Evagh dois de seus servos, o garoto Ratha e o velho mordomo Ahilidis, que haviam, ambos, testemunhado muitas de suas conjurações e estavam, portanto, acostumados aos sinais da magia. Com estes dois ao seu lado, o feiticeiro esperou que os carvões esfriassem.
As brasas logo escureceram rapidamente, mas ainda subiu fumaça por toda a tarde e o anoitecer, e ainda estavam quentes demais para que um humano as pisasse quando amanheceu. Então Evagh chamou os seus servos para que buscassem água do mar em potes e a despejassem sobre as cinzas e os carvões. Depois que a fumaça e o chiado terminaram ele subiu a bordo e se aproximou dos cadáveres pálidos. Perto deles ele sentia um grande frio, tal como emanaria de um gelo ártico, e o frio começou a doer em suas mãos e orelhas e a atingir-lhe agudamente através do manto de pele. Chegando ainda mais perto ele tocou um dos corpos com a ponta de seu dedo e este, embora apenas ligeiramente pressionado e logo afastado, ficou queimado como por uma chama.
Evagh ficou muito assustado, pois a condição dos cadáveres era algo que lhe era até então desconhecido e em toda a sua ciência de magia não havia nada que lhe pudesse esclarecer. Ele supôs que um feitiço fora lançado sobre os mortos, um sortilégio do tipo que os pálidos demônios polares talvez conheçam, ou as bruxas geladas da lua podem criar em suas cavernas de neve. E ele logo concluiu que era melhor se afastar, para o caso de o feitiço ter efeito sobre outros que não os mortos.