Ele teria fugido da casa, sabendo que sua magia era totalmente ineficaz contra aquilo. Mas compreendeu que a morte estava na exposição direta aos raios do iceberg e que se deixasse a casa ele forçosamente entraria naquela luz fatal. E também compreendeu que ele só, entre os que viviam naquele trecho de litoral, tinha sido excluído da morte. Não podia supor a razão de sua exceção, mas concluiu por fim que era melhor permanecer paciente e sem medo, à espera do que lhe devesse acontecer.
De volta à sua câmara ele se ocupou de várias conjurações. Mas os seus familiares tinham desaparecido durante a noite, abandonando os ângulos em que ele os postara, e nenhum espírito, humano ou demoníaco, deu resposta às suas perguntas. E de nenhuma forma conhecida dos magos ele conseguiu aprender coisa alguma sobre o iceberg ou adivinhar um mínimo de seu segredo.
Então, enquanto trabalhava com seus truques inúteis, sentiu no rosto o sopro de um vento que não era de ar, mas de um elemento mais sutil e raro, frio como o éter lunar. Sua respiração o abandonou em agonia inexprimível e ele caiu ao chão em uma espécie de sono que era parecido com a morte. Nesta letargia ele teve a vaga impressão de ouvir vozes que pronunciavam encantamentos desconhecidos. Dedos invisíveis que o tocaram com um frio dolorido, e foi imerso em uma radiância estéril que oscilava, como a de uma maré que vai e vem sem parar. Esta radiância era intolerável a todos os seus sentidos, mas ela aumentava devagar, com picos sempre breves, e logo seus olhos e sua carne se acostumaram a suportá-la. Recaía sobre si, com toda força, a luz do iceberg, entrando pela janela norte, e parecia que um grande Olho o observava através dela. Ele teria se erguido para enfrentar tal Olho, mas o sono o subjugava com uma espécie de paralisia.
Depois disso ele dormiu novamente por um tempo. Ao acordar, encontrou de volta a seus membros a força e a agilidade que lhes faltara antes. A estranha luz ainda estava sobre si, preenchendo toda a sua câmara, e ao contemplar o exterior ele testemunhou uma nova maravilha. Pois eis que seu jardim e as rochas e as areias da praia além não eram mais visíveis. Em seu lugar haviam suaves leitos de gelo em torno de sua casa, e altos píncaros que se erguiam como torres sobre as ameias de uma fortaleza. Além dos abismos de gelo ele via um mar que parecia remoto e raso, e além do mar havia um litoral baixo e vago.
O terror lhe assaltou então, pois ele reconheceu em tudo isso a ação de uma feitiçaria onipotente e além do poder de todos os magos mortais. Pois era evidente que sua alta casa de granito não estava mais na costa de Mhu Thulan, mas depositada sobre alguma parte alta do iceberg. Tremendo ele se ajoelhou e orou aos Antigos, que vivem secretamente em cavernas subterrâneas ou habitam sob o mar ou nos espaços ultraterrenos. E enquanto orava ouviu baterem com força à porta de sua casa.
Com muito medo e espanto ele desceu abriu os portões. Diante de si estavam dois homens, ou criaturas que tinham aparência humana. Ambos tinham fisionomias estranhas e peles lustrosas e vestiam mantas de tecidos bordados de runas como as que só os magos vestiriam. Essas runas eram rústicas e incompreensíveis, mas quando os homens lhe falaram ele entendeu um pouco do que diziam, que era um dialeto das ilhas Hiperbóreas.
— Servimos Àquele cuja vinda foi predita pelo profeta Lith — disseram. Ele veio de espaços além dos limites do norte, em sua cidadela flutuante, a montanha de gelo Yikilth, para viajar pelos oceanos mundanos e cobrir de gelado esplendor os pequenos povos da humanidade. Ele nos poupou dentre os habitantes da grande ilha de Thulask e nos trouxe para navegarmos com ele sobre Yikilth. Ele temperou a nossa carne ao rigor de sua morada, e tornou respirável para nós o ar que nenhum mortal poderia inspirar. A ti também ele poupou e aclimatou com seus feitiços ao frio e ao éter que estão por toda Yikilth. Salve, ó Evagh, em quem reconhecemos grande magia por este sinal: pois apenas os mais poderosos entre os magos foram assim escolhidos e salvos.
Evagh foi dolorosamente surpreendido, mas vendo que passara a tratar com homens que eram como ele próprio, passou a questionar mais atentamente os dois magos de Thulask. Eles se chamavam Dooni e Ux Loddhan e eram sábios nas tradições dos deuses antigos. O nome dAquele a quem serviam era Rlim Shaikorth, e vivia no mais alto dos cumes da montanha de gelo. Nada disseram a Evagh sobre as propriedades de Rlim Shaikorth e sobre seu próprio serviço a tal ser eles juraram que consistia somente da adoração que se dá a um deus, adicionada do repúdio de todo laço que antes os ligara à humanidade. E disseram a Evagh que deveria seguir-lhes até Rlim Shaikorth, executar o apropriado rito de obediência e aceitar o compromisso de alienação definitiva.
Então Evagh foi com Dooni e Ux Loddhan e estes o conduziram a um grande cume de gelo que se erguia sem se derreter diante do sol pálido, predominando sobre os demais no topo plano do iceberg. O pináculo era oco. Subindo por dentro dele em escadarias de gelo eles chegaram finalmente à câmara de Rlim Shaikorth, que era um domo semiesférico com um bloco arredondado ao meio formando um divã. E sobre esse divã se encontrava o ser cujo advento o profeta Lith predissera tão obscuramente.
Jóia, parabéns pelo site!!!!! Adoro esses autores!