Sobre Plantar no Asfalto

Tomei recentemente uma decisão um tanto polêmica, que talvez tensione alguns relacionamentos virtuais meus. Trata-se de algo que já penso há algum tempo, mas sobre o qual só conversei com poucas pessoas. Decidi abandonar a partir de hoje uma boa parte de minha atuação na internet e nas redes sociais. Disto resultará eu participar menos em comunidades literárias e não mais entrar nos desafios literários do blog Entre Contos.

Não é uma decisão impensada e ela não é motivada por nada que tenha acontecido nos últimos trinta dias, embora algumas coisas recentes tenham me ajudado a definir a minha decisão. Não se trata de nada além de uma mudança qualitativa e quantitativa de minha participação online. Quero participar menos e tentar tirar mais proveito.

Prioridades, prioridades

Acho que o escritor (amador ou profissional) deve cuidar de escrever. Nos últimos dois anos, apesar de eu ter escrito bastante, não consegui concluir projeto algum. Meus romances estão parados e a qualidade dos contos que produzi foi muito variável. A oportunidade de rever minha produção anterior a 2012, agora que estou negociando meu segundo livro com uma editora, me mostrou que, com raras exceções, meu ritmo de produção era mais regular e produzia textos melhores entre 2010 e 2012. Quem lê o blog deve ter percebido isto, pois há mais textos sobre literatura do que textos de literatura.

Está na hora, portanto, de priorizar o essencial.

Síndrome de Estranho no Ninho

Percebi que tenho tentado um diálogo impossível com um público com o qual não me identifico, e que em troca não se identifica comigo. Veja, por exemplo, o caso dos desafios EntreContos. O público ali é predominantemente de fãs de literatura fantástica. Tem sido assim desde as origens dos desafios, na comunidade “Contos Fantásticos”, no Orkut. Parte desse público me conhece desde os tempos da “Novos Escritores do Brasil” (lendária comunidade literária) e sabem muito bem o que eu penso sobre o tipo de “literatura fantástica” que se faz no Brasil. Há pessoas ali que certamente são hostis a mim, e com razão: pois eu sou hostil àquilo que lhes parece sagrado.

Mas o que me fez ver claramente que o público dali não vai me aceitar foi um comentário, totalmente não relacionado, feito por uma amiga virtual. Ela me disse que, se eu quisesse atingir a um público urbano e mainstream, eu precisaria mudar um pouco o ritmo da minha narrativa e modificar a dicção de meu narrador, que ela considerou muito “interiorano” e “clássico”. Quem me disse isso o fez com a melhor das intenções, sem perceber o quanto eu me senti atingido por esta descrição.

Olhando em retrospecto, subitamente o comentário pareceu carregado de razão. De fato as pessoas devem perceber o ritmo mais lento de minha narração, devem sentir o peso de minhas leituras (que não incluem nenhum dos best-sellers dos últimos vinte anos, exceto a série Harry Potter) e identificar não só um outsider, mas também a mim mesmo. Alguns amigos meus, como o Flávio Oliveira (que não vejo há algum tempo, tenho de ir visitar o camarada!), já me haviam dito que os meus textos são fáceis de reconhecer pelo tipo de vocabulário e por algumas estruturas sintáticas (em certa época eu andei usando muito, por exemplo, a expressão “a esmo”).

Ocorre que estas características se chocam com o tipo de texto esperado pelos leitores que predominam nos ambientes onde tenho exibido os meus textos. E nem estou aventando que em alguns casos essa percepção de que o texto é meu resulte automaticamente em críticas motivadas pela rejeição de minha pessoa.

De fato, desde que a minha amiga fez o comentário, eu percebi claramente que estou, há um bom tempo, adotando uma estratégia muito equivocada para divulgar meu trabalho. E preciso mudar de estratégia, já que, a essa altura da vida, é muito difícil mudar o trabalho.

Trabalhos de Sísifo

Outra frustração é a dos intermináveis debates sobre nada ou coisa alguma. A recente morte do Orkut serviu para me lembrar que tudo isso são nuvens, que esse tempo gasto em redes sociais não deixa pegadas na história. Uma parte significativa da minha formação enquanto autor se perdeu nessas redes e nunca será recuperada. Se algum dia eu me tornar um autor famoso, ninguém poderá estudar minha “correspondência” ou meus originais inéditos.

Por isso eu perdi muito do gosto pela vida literária virtual e resolvi me recolher, mesmo que me torne menos visível online. Tenho duas meninas crescendo, tenho cursos a concluir, projetos a sonhar, e tudo isso é mais importante do que girar a manivela de debates que não vão a lugar nenhum ou participações em desafios que nunca vou ganhar.

Sobre os desafios, é nítido para mim que se tornam cada vez mais penosos, como o mítico trabalho. Nos primeiros concursos os textos eram poucos e pequenos, não havia grandes exigências nem regras específicas. Era relativamente fácil ler uma dúzia e meia de textos e votar em dois ou três. Só que os abusos cometidos por certos participantes ensejaram a criação de regras, cada vez mais complexas, o que foi tornando a participação cada vez mais exigente em termos de dedicação. E eu quero em dedicar a outras coisas.

O problema da participação aberta é cumprir a exigência de leitura. O último desafio teve o glorioso número de quarenta participações, com teto de quatro mil palavras. Dei-me ao trabalho de copiar-colar todos os textos, incluído o meu, para contar suas palavras e estimar o tamanho em livro. Foram 72206 palavras. Em página tamanho A5, com margem de um centímetro e títulos abrindo novas páginas à direita, isso dá 226 páginas, o tamanho de um livro que “pára em pé na estante”, como costumo dizer. Não é à toa que os participantes penam para cumprir a quota de leitura.

A Hora de Parar de Jogar

Eu nunca acreditei na lisura de concursos literários. Não é que eu duvide do caráter de quem os organiza: eu duvido da possibilidade de haver justiça na comparação entre obras diferentes, de autores díspares, com experiências divergentes e objetivos vários.

Concursos literários comparam coisas que não são fáceis de comparar, e geralmente se usa como régua o ideal de uma pessoa que nem sempre compartilha da história de vida e dos valores do autor. Mesmo assim, um concurso pode render lucro para quem participa. Um autor pode se tornar conhecido e chamar a atenção ao participar de tais concursos, mesmo perdendo.

Participa-se pela diversão e eventualmente se pode ganhar alguma coisa. Mais ou menos como a loteria. E tal como ela, depois de anos de insistência você descobre que se tivesse economizado R$ 10 reais por sorteio durante seis anos você teria ajuntado R$ 7.000,00.

Participaria se houvesse alguma vantagem clara. O que seria isso? Bem, haveria alguma, por exemplo, se a participação atraísse visitas para os blogs dos autores, se o EntreContos fosse frequentado por editores em busca de talentos, ou se houvesse alguma perspectiva de afagar o ego com uma vitória, mesmo que inexpressiva.

Mas a participação não potencializa visitas e a ideia romântica de editores procurando talentos na internet já não existe nem na cabeça de garotinhas de quinze anos. Restaria o consolo de um troféu de palha, mas nem isso: já há algum tempo que eu percebi que não ganharia nem se publicasse como minha uma obra prima da literatura universal. Bem, na verdade eu já fiz isso, e perdi.

A falta de visibilidade decorre do fato de o blog EntreContos não ter sido pensado com o objetivo de divulgar blogs alheios. Bem, isso não é culpa dos seus donos, e eles nem precisavam se preocupar com isso. Mas é um fato dado que participar dos desafios constrói a audiência do EntreContos sem trazer nada de volta aos participantes. Em alguns casos, essa falta de feedback decorre de escolhas deliberadas dos administradores do site. Por exemplo:

  1. Até recentemente (e isso parece que só mudou por uma sugestão minha) os concursos terminavam e os textos participantes continuavam assinados pelos pseudônimos dos participantes; somente os ganhadores eram repostados com os seus nomes reais.
  2. Até hoje não se adotou a prática (embora isso já tenha sido sugerido na página do EntreContos no Facebook) de linkar para o blogue do participante sob o cabeçalho do seu texto. Se uma pessoa ler Beatrix e Jeannelynne no EntreContos, não saberá que é o mesmo texto que publiquei aqui em agosto, depois do fim do desafio sobre Bruxas. Na verdade só saberá porque eu fui lá e comentei acrescentando o link. E isso não quer dizer nada, pois nunca vi o EntreContos entre as URL de referência do meu blog, neste ano inteiro em que tenho participado.
  3. Pela dinâmica do site, uma vez encerrado o desafio atual, os textos são deixados às moscas, nunca mais sendo comentados por ninguém. Não tenho acesso às estatísticas do EntreContos, mas minha percepção é a de que os textos dos desafios encerrados só atraem interesse residual, ruído de fundo originário das pesquisas do Google.

Tudo isso seria atenuado (mesmo que muito levemente) se houvesse alguma chance real de eu vir a ganhar, mas não há. Admitamos que meu texto seja realmente ruim e eu não ganhe por isso: mesmo assim é uma ótima razão para eu “passar de fase” e deixar o lugar para quem chega, pois estou tornando penosa a participação dos outros com os meus textos.

Enquanto isso devo mencionar que também me parece vão o esforço de participação em grupos literários do Facebook e outras redes sociais. Há tanto tempo eu não vejo um link de referência saído de uma rede social que eu até já me pergunto por que eu mesmo ainda estou nelas. Há até estudos sugerindo que as redes sociais canibalizam a internet e estão fazendo morrer os canais livres de difusão de conteúdo.

Escrever para Escritores Sempre Será Complicado

Escritores são criaturas chatas em relação ao que seus semelhantes escrevem. São famosas as críticas demolidoras (e equivocadas) feitas por grandes nomes da literatura a outros grandes nomes da literatura. Ocorre que o autor, ao criticar outro, não está apenas avaliando a qualidade do trabalho alheio, mas também defendendo o seu. O criticado, por sua vez, dificilmente aceita o outro como um superior, e, na qualidade de seu igual, se sente desafiado a um duelo em vez de brindado com uma pérola de sabedoria. É natural que surjam rusgas e barracos quando um começa a falar da obra do outro.

Ainda mais que os jovens autores, do alto de sua insegurança, costumam confundir o valor da obra com seu valor pessoal, pois produzem a primeira para aumentar o segundo. Ser escritor, ou achar que é, não passa de uma maneira para se sentir especial, diferente. Por isso tantos deles orgulhosamente estampam como apelido ou sobrenome títulos como “Escritor” ou “Poeta” em seus perfis das redes sociais.

Daí você diz que um texto falhou e o autor se sente moralmente atingido, desafiado a justificar sua “falha” como se ela fosse um pecado. Faça a crítica com um pouco menos de tato ou pouco mais incisiva e haverá quem lhe tome as dores como se você tivesse cometido bullying ou invadido a Polônia.

Eu não ganhar não é nem por causa da falta de qualidade da minha prosa e nem porque os admins estejam me perseguindo (os djinns talvez estejam): o que eu digo não é o que o público quer ouvir. Ou mudo de discurso, ou mudo de público. Resolvi tentar mudar o segundo porque já estou maduro demais para mudar o primeiro.

Preciso parar de Brigar com quem Pode Querer Ler Minhas Obras

Além de gastar preciosas horas lendo textos de que não gosto para poder receber votos depreciativos de gente que também não gosta de meus textos, o resultado é quase sempre eu ficar numa posição recuada, que me parece só servir para valorizar os que ficam à frente — e podem dizer “meu conto deixou para trás textos bons assim“.

Além disso, meus comentários sempre fazem alguém ficar com raiva de mim — o que é péssimo para as minhas perspectivas de carreira (se bem que eu já a queimei suficientemente em polêmicas anteriores). Não estou ganhando nada, estou lustrando o troféu alheio e ainda estou ganhando fama de ogro quando me excedo, quando me equivoco, ou quando simplesmente me interpretam mal. Meu medo é que essas participações, enquanto nada acrescentam ao meu currículo, pois nunca ganharei, acabem denegrindo minha imagem de autor e prejudicando as possibilidades de eu fazer sucesso em outros gêneros. Pois má fama é algo que se espalha.

Meus comentários costumam ser mal recebidos porque abordam os textos de uma maneira que não é mais “aceitável” hoje em dia: todo texto é um produto, mesmo que o investimento seja só tempo. Apontar falhas é depreciar algo a que se dá valor. Depreciar desagrada, é preciso ser morno para não queimar e nem resfriar ninguém. Mas eu não sou morno. Sou frio ou quente, ou até morno, mas nunca sou uma coisa só. Errando ou acertando, gosto de uns textos e não gosto de outros. E o meu lado “ogro” acaba me levando a entrar em roubadas absolutamente desnecessárias, como me ver associado ao blog “Literatura Fantástica Brasileira“, onde costumam aparecer textos equivocados, mandando queimar livros e efígies, ou explorando a orientação sexual de desafetos. Afastar-me talvez ajude a apagar esse fogo.

Hora, Então, de Picar a Mula

Esta não é uma decisão de modo algum relacionada às minhas amizades literárias. Continuo tão amigo dos meus amigos quanto era antes e a minha apreciação de seu trabalho não mudou um milímetro. Não me afasto deles, afasto-me de coisas que me faziam perder tempo.

Já passei de fase. Insistir em participar só serve para me retardar num lugar aonde não sou bem-vindo, e nunca fui. É como o penetra da festa ser dos últimos a ir embora.

3 thoughts on “Sobre Plantar no Asfalto

  1. Geraldo, li dois de seus contos e entendi melhor as suas queixas…Realmente, você fala da realidade brasileira, e mineira, do interior de Minas, enfoca bastante a dialética entre tradição e modernidade (ou contemporaneidade); gosto do seu estilo, é maduro e tem identidade. Há inteligência na sua visão de mundo, que transparece nos textos. Por outro lado, não se você é consciente o quanto a maior parte dos leitores são estrangeiros em face desta realidade que você vive e que o inspira, e do estilo que lhe corresponde: são jovens urbanos das grandes urbes do Sudeste. Para mim, não, nem sou jovem nem sou das grandes metrópoles, nem sou do Sudeste. Para mim, você bebe na tradição dos autores pré-modernistas, como Monteiro Lobato…Você me lembrou “Cidades mortas“…Tem duas saídas para você (e para mim também): ou aprende a escrever para este público maior, que tem seus méritos e deméritos e é um grande público, ou tenta “achar a sua turma“ – um grupo menor de leitores/escritores das outras regiòes do País, dos rincões do interior, que está por aí sem ninguém se dar conta de que ele existe…

  2. Bom dia, Geraldo, como eu acho os seus textos? Identifiquei-me com o que você disse… começei agora nesta empreitada da qual você está desistindo…Há mesmo uma enorme quantidade de subliteratura, concordo. Mas é uma heroica subliteratura que demonstra vontade de ler e escrever num país com tanto analfabetismo funcional. E é esquisito também a exclusividade da fantasia nas preferências. Mas sabe porque acho válido fazer o que você já fez? Para conhecer os leitores, como eles sentem e pensam…Estes escritores são leitores potenciais…

  3. Não acho que ausência on-line possa tensionar amizades. Penso em também fazer um tipo de “retiro”, para me distrair menos, para conseguir ter tempo para escrever e pensar.

    Quanto aos desafios do EntreContos, tenho uma visão diferente. Eles propõem um exercício difícil: tema, limitações de caracteres e tudo mais, nos expõem a leitores muitas vezes despreparados e com opiniões completamente díspares, porém também permitem a “troca de figurinhas” tão necessária entre os Autores, fora a motivação, o norte que alguns – feito eu – muitas vezes precisam para produzir.

    Nem todos os leitores são adolescentes bobinhos, que opinam com um “gostei”, “não me tocou” e bobagens semelhantes. Há aqueles que vão apontar sem piedade que nossos diálogos ficaram aquém, que há cacofonia, que há inconsistências que nos passaram despercebidas e muito mais.

    Acompanho meio de longe à sua produção e, sob o aspecto da qualidade, seus contos do desafio “bruxas” e “música”, por exemplo, figuram dentre os meus preferidos.

    Então, acho que por sermos “calejados” (ia dizer putas velhas, haha), deveríamos ligar o modo “ouvidos de mercador” e ignorar às bobagens da criançada. Por exemplo, houve gente que leu o “As velhas opiniões” e achou a narração muito empolada, outros, simples demais, etc. Bem sei que não é uma coisa ou outra.

    O prestígio ou o gosto de se ganhar uma competição é sempre ótimo, mas vejo como secundário, pois, ao ser desafiado, eu produzi, dei o meu melhor. Não ganhei, mas colhi resultados: meus diálogos não estavam realmente muito bons, meu final estava corrido, etc. Considero tal feedback positivo, já que como autor eu sou péssimo leitor de mim mesmo.

    Óbvio, para algum leitor de autoajuda ou livros espíritas sempre seremos complexos e pomposos, para outro leitor assíduo dos clássicos da literatura, seremos simplórios e rasos. Há tempos que descobri que não há unanimidades, que muitas leituras serão preguiçosas, incompetentes, superficiais.

    Na minha própria casa, Sidney Sheldon continua bem mais interessante que meus escritos: difíceis, muito detalhados. Pessoalmente, nunca consegui ler mais que algumas páginas sem encontrar mil furos na trama, sem implicar com os péssimos diálogos ou as descrições bregas do autor de Jeannie é um gênio.

    Concluindo, não (se) leve tão a sério. Critique e não dê ouvidos às acusações de “ogrice”, haha. Produza se se sentir picado pelo inseto da inspiração, exponha-se sem medo, se você quiser. Colocar o texto para ser apupado ou ovacionado é sempre um risco, mas eu sempre encarei a coisa mais como jogo ou brincadeira do que qualquer outra coisa.

    Abraços.

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