Certamente há motivos para se gostar da Jornada do Herói e até mesmo motivos para empregá-la às vezes, porém todo autor deve ter como seu paradigma e objetivo maior superar o arquétipo oferecido pela Jornada, especialmente em sua versão pedestre, popularizada por Hollywood. Motivos não há, porém, para aferrar-se a esse paradigma como a solução final da literatura, como “um método para a todos governar”. A simples ideia de que em qualquer arte exista um método único e definitivo equivale a decretar a morte daquela arte. Se nada mais é possível além do já conhecido, então a arte deixa de ter função e sentido.
Apesar dessa conclusão tão óbvia, são muitos os jovens autores que se embevecem pela Jornada. Por que?
A principal razão me parece ser que a defesa da Jornada do Herói é feita através de raciocínios que são falaciosos em si mesmos ou que permitem uma interpretação falaciosa. Como a grande maioria das pessoas somente analisa a realidade através de raciocínios logicamente inválidos, é natural que se identifiquem com um conceito de tão fácil correspondência.
Existem coisas no mundo que só podem ser defendidas de maneira complexa, e necessariamente lógica; e por isso só são aceitas e entendidas por uma pequena minoria da população. Outras coisas podem ser assimiladas e defendidas de forma simples, absurda e ilógica; por isso alcançam um número maior de pessoas. É muito mais fácil defender a pena de morte do que a reabilitação do criminoso, é muito mais fácil defender uma sociedade de classes do que uma sociedade igualitária. No terreno intelectual, é muito mais fácil convencer as pessoas de que elas não precisam esforçar-se do que convencê-las a agir, é mais fácil convencê-las de que não é possível obter fruto algum através do esforço do que explicar os motivos pelos quais elas, individualmente, não colheram fruto nenhum. O mais sedutor dos argumentos, para o ignorante, é aquele que defende que o conhecimento não existe.
A aplicação da Jornada do Herói à literatura é um desses conceitos simples e fáceis, extremamente acessíveis e por isso mesmo tão universalmente aceitos. Dê a um jovem autor um trabalho literário de extraordinária qualidade e desafie-o a competir com ele, isso o intimidará. Mas diga-lhe que aquele trabalho foi feito ligando o ponto “A” ao ponto “B”, depois ao ponto “C” — e assim sucessivamente — e esse mesmo jovem autor se sentirá tentado a recriar um trabalho equivalente. Digo “recriar” porque, a partir do momento em que temos o conhecimento do método pelo qual algo foi feito, nosso primeiro esforço será sempre a cópia, a improvisação de melhorias é um passo posterior que, para a maioria das pessoas, nunca virá.