Quando uma pessoa diplomada aprende pseudociências (ou mesmo, ciências sólidas, mas com uma base filosófica fracassada e vulnerável), o efeito é tão ou mais pernicioso que uma pessoa comum reconhecer astrologia como ciência, de fato. — Glauber Frota
Gostaria, amigo, de expandir um pouco esse seu raciocínio, mas não antes de cumprimentá-lo por esse diagnóstico. Nunca em sua vida, desde que ainda era um espermatozóide nadando em direção ao óvulo de sua mãe, você esteve tão certo sobre alguma coisa.
Primeiramente eu gostaria de transformar o seu raciocínio numa frase memeficável:
A mais grave forma de ignorância é a dos sábios. Ignorantes comuns não conseguem fazer com que se respeite sua ignorância, sábios, sim.
Só não direi que é um fenômeno mundial porque não conheço o mundo todo, mas direi que é bem generalizado no Brasil o efeito deletério do conhecimento sobre certas mentes.
Dizia o poeta que “não é por andar com livros que a gente fica doutor: as traças vivem com eles, devem sabê-los de cor.” A sabedoria é fruto da experiência, que muitas vezes está acompanhada de títulos que vieram depois de muitos livros lidos, mas cum hoc non propter hoc e post hoc non propter hoc: existem pessoas que estudam muita coisa e adquirem muitos títulos mas não se tornam sábias porque lhes falta a humildade de demarcar seus limites.
Ninguém se torna “superior” por ter um curso superior. Uma especialização lhe dá um status de especialista, não de generalista. Mestre é aquele que pode ensinar uma matéria e doutor é alguém que se pode considerar máxima autoridade em uma coisa. Fora de sua área de conhecimento, mesmo o mais diplomado dos homens deveria conhecer a humildade. Raros conhecem, a escada acadêmica parece levar alguns ao Olimpo.
Indivíduos respeitados pela sua formação em determinada área frequentemente abusam de suas certificações para emitir opiniões sobre outras áreas em que não são autoridade, frequentemente dizendo besteira, mas não se consegue questionar o que dizem porque seu status (social, econômico e acadêmico) bloqueia quem tenta.
A sociedade é hierarquizada de várias maneiras (uma delas pela titulação), mas a falta generalizada de conhecimento da população impede que as pessoas em geral conheçam o significado dos títulos. Esta é uma das razões pelas quais os membros de certas categorias anseiam por serem chamados de “doutores”. A palavra impressiona, empresta autoridade, e mesmo que o detentor seja só um bacharel em direito, vai usá-la para embasar opiniões sobre política, economia, psicologia, teologia, direitos humanos e o que mais lhe der na telha. A busca pela faculdade de direito é a busca por esse status. Afinal, o direito é uma disciplina menos desafiadora que medicina ou engenharia.
Falta humildade a tais pessoas. Convencidas de que se tornaram superiores por terem obtido um diploma de grau superior, não conseguem assimilar a ideia de que possam estar erradas. Quando falam sobre assuntos que não dominam, adventavit asinus pulcher et fortissimus, como dizia Nietzsche (o mais memeficável dos filósofos). Mas a plateia não se importa, se você questiona, alguém da claque rudemente o adverte: “quem é você para questionar o doutor?” Certa vez eu, que sou formado em História, “perdi” uma discussão sobre História com um bacharel em Direito porque todos em volta me desqualificavam dizendo “você nem é doutor para falar assim com fulano”. Creio que você já deve ter visto algo semelhante, ou ouvido falar.
Se ocorre de uma tal pessoa ter, pelo menos, lido os livros certos e chegado a conclusões corretas (ainda que sejam platitudes), estamos com sorte, mas o que se pode fazer quando a criatura em seu desabalado tropel pisoteia impiedosamente a razão e os fatos estabelecidos com o poder inquestionável de suas ferraduras douradas?
Os sábios são capazes de causar grande dano quando aprendem pseudociências (ou simplesmente chegam a opiniões absurdas sobre política, economia ou sociedade) porque o conhecimento, que deveria abrir suas cabeças, falhou nisso. Ficou na superfície, como uma réplica barata de carro esportivo, com motor e câmbio de Fiat Uno. Quem não entende da “mecânica” do conhecimento, vê a bela carroçaria passar e julga aquela Ferrari superior ao Golf GTI estacionado perto. O cúmulo do absurdo é haver quem se preste a furar os pneus do Golf para impedi-lo de desafiar a Ferrari de araque.
Pois é, estamos nos tempos do ego. Fotografias, ideias, opiniões, tudo é selfie.