— Alexandre Coslei.
A poesia é uma arte em extinção, desde mais ou menos o tempo de Platão, que via em Aristófanes a decadência do teatro grego. Dois mil e quinhentos anos em extinção e ela ainda incomoda o suficiente para que sua extinção tenha de ser decretada pelo menos uma vez em cada geração.
Literatura não é coisa para amadores, você precisa aprender a vender. Precisa empreender, precisa vender. Essa situação lastimável perdura desde os tempos do Império Romano, quando os poetas precisavam do apoio dos Senadores, passando pela Idade Média, em que todo mundo precisava estar de bem com o papa. Ars Gratia Artis sempre foi um slogan bonito, mas nunca passou disso.
Os autores sempre se dividiram entre “autênticos” e “vendidos” (ou termos equivalentes). Supostamente os segundos seriam instrumentos do Sistema, execrados pela Academia e esquecidos pela posteridade; em troca seriam mais lidos e fariam mais sexo. Os “autênticos”, enquanto isso, estavam ocupados escrevendo obras que ninguém leria e morrendo de tuberculose ou sífilis sem concluir seus grandes projetos.
Essa briga vem sendo requentada desde há tanto tempo que eu nem sei contar. É provável que me desmintam com a recente tradução de alguma tabuinha de argila mesopotâmica, na qual a querela da autenticidade se revela ainda mais arcana do que eu pensava. Talvez os homens de Cro-Magnon tivessem algum tipo de rusga sobre quem tinha acesso a parede da caverna para ali pintar.
Tudo isso é muito cansativo e muito repetitivo depois que você já leu bastante, já escreveu bastante e já desgastou as pontas dos dedos em debates na internet usando teclados de má qualidade.
A verdade é que não existe um metro único para se medir o valor da literatura e está errado quem acha que qualidade e popularidade são incompatíveis. Todos os paradigmas que me pareciam seguros desmoronaram depois que Paulo Coelho não apenas se tornou o escritor brasileiro mais vendido do mundo mas também se elegeu à Academia Brasileira de Letras. Isso me chamou a atenção para a possibilidade de não ser a primeira vez, pois eu sou muito cético quanto à possibilidade de existirem fatos únicos. Eu estava certo em meu ceticismo: desde então, quanto mais eu aprendo, mais eu entendo que não há correlação necessária (nem direta e nem inversa) entre o sucesso e a qualidade de uma obra.
O que faz decair a qualidade não é a obra ser legível por um público maior, a qualidade não é algo assim tão fácil de definir. E, claro, a obscuridade não é uma qualidade. Só que a afirmação recíproca é igualmente verdadeira: o sucesso também não é marca de valor literário.
O que acontece hoje em dia, e talvez seja diferente do que ocorreu no passado, é que os autores “vendidos” já não sentem nenhum pejo nisso. Não só aceitaram a ideologia do sucesso como lhe deram uma ética. Mais do que meramente negar que fosse errado vender-se para poder vender, eles agora dizem que isso é que é o certo. O paradigma se inverteu: não são mais autores envergonhados do próprio sucesso, orgulham-se dele e procuram envergonhar quem não tem sucesso, inclusive negando a qualidade do que não vende.
E fazem isso porque acham que inventaram a pólvora, que “escritor empresário” é uma coisa nova.
Tal como no passado os críticos intolerantes se negavam a ver valor nas obras populares porque viam a arte como uma prática elitista, agora os novos donos do “mercado” literário atacam a aspiração à qualidade como uma afetação inútil. Inverteu-se o sinal do preconceito, mas ainda se foge da verdade.
A arte continua sendo, como sempre foi, definida como parte de uma relação com o dinheiro. Quando o dinheiro estava com os nobres, os autores escreviam para agradar seus gostos. Agora o dinheiro está em vender para os pobres, os autores mudaram de foco. Em algum momento, no século XX, apagou-se a distinção de classes quanto ao gosto. Não existe mais a “sofisticação”, existe só o poder bruto do dinheiro. Os nobres não leem filósofos, colocam privadas de ouro em seus banheiros. E sentam nelas para ler obras de gente que acha mais belo um penico cravado de diamantes do que a montanha bucólica que a mineração destruiu para extrair as pedras com que ele foi ornado.