Essa semana eu fiz uma coisa que é impensável para muitos escritores: eu mesmo “denunciei” os meus livros a uma página do Facebook chamada “Capas Arrombadas”, que se dedica a zombar da má qualidade do design das capas de certos livros, principalmente e-books à venda no Amazon.
Fiz isso por dois motivos: primeiro não dar aos meus dois ou três inimigos1 o prazer de fazê-lo e segundo porque eu pensava em melhorar algumas de minhas capas e queria uma opinião externa e isenta sobre quais eram as mais “necessitadas”.
Como resultado dos “feedbacks” recebidos na própria página e de outros via mensagem, concluí que as duas mais “necessitadas” eram da tradução do romance “A Casa no Limiar”, de William Hope Hodgson, e da minha noveleta “Navegadores Psicodélicos”.
Normalmente os autores cujos trabalhos são chamados de “arrombados” se ofendem pelo “desrespeito” e tentam defender-se argumentando com suas dificuldades. Acho justo dizer que as dificuldades merecem ser lembradas, às vezes, mas nunca como justificativa da má qualidade do produto final. Sim, eu também padeço para fazer as minhas capas porque não tenho condições financeiras de pagar o trabalho de um profissional, mas isso não quer dizer que o leitor tenha que me desculpar isso. E nem é motivo para eu me sentar no cantinho para lamentar, em vez de tentar fazer o melhor possível, dentro de minhas limitações.
Aquele que deseja oferecer um produto precisa primar pela qualidade. Compre a qualidade ou aprenda a produzi-la. Para alguns, como eu, é mais barato aprender. Para outros, aprender dói. Talvez mais do que alguém chamar de “arrombado” ao seu trabalho. Diferente desses autores, eu acho que “ofensivo” é ser ignorado, “desrespeito” é não ter acesso ao mercado por morar no interior e “difícil” é tentar vender literatura em um país que tem tão poucos leitores, e os tem tão fascinados pelo que venha de fora. Enquanto as “ofensas” e os “desrespeitos” forem dirigidos ao meu trabalho, eu preciso ter a humildade de entender isso como o que realmente é: “feedback”.
“Feedback” não tem que ser do jeito que a gente quer que seja. Crítica não tem que ser educada. O autor não pode se comportar como um floquinho de neve — único, especial e sensível.
Quando chamam de “arrombado” ao meu trabalho, isso é um desafio para que o melhore, ou pare de poluir o mundo com a tosqueira. O mundo já é “arrombado” o bastante sem a minha contribuição particular. Certas coisas podem ser melhoradas, outras não. Quem dera que todos os problemas do mundo fossem capas de livro, que a gente pode mudar…
Nós maus juízes possíveis da qualidade de nosso trabalho. Às vezes, sem alguém que nos diga que fizemos uma coisa realmente “arrombada”, nós não somos capazes de perceber a extensão da porcaria. Uma crítica excessivamente cuidadosa pode não ser lida até o fim, daí será lembrada pelos elogios protocolares que tem no início, em vez da essência que vem a partir do meio.
Uma última coisa que vale a pena dizer é que, às vezes, o crítico é desqualificado por ataques pessoais, como se ele tivesse a obrigação de “sabe fazer melhor” para poder criticar. Isso é uma grosseria sem tamanho. Eu não preciso ser médico para saber que estou doente, embora não saiba qual a doença. Eu não preciso ser engenheiro para saber que uma casa está caindo, embora não consiga saber qual foi o erro estrutural. E o crítico não precisa saber fazer melhor para enxergar que um trabalho está “arrombado”. No caso das capas, basta um pouco de bom gosto e dois olhos (em alguns casos, um olho só já basta).
Muito obrigado ao pessoal do “Capas Arrombadas”. Por favor, continuem com esse bom trabalho, que é também muito divertido.
1 É inconcebível que um autor, por irrelevante que seja, tenha mais inimigos que leitores.