Em tudo haverá ideologia, apenas alguns autores são dissimulados o bastante para enganar você com a ilusão de uma neutralidade impossível. Quanto mais neutro um texto parece, mais perigoso ele é, porque qualquer informação controversa que ele contenha será aceita como “neutra”. Em um texto apaixonado, do qual você discorde, você tende a descartar o que lhe parece excessivo ou a checar, no mínimo.
A neutralidade ideológica é impossível porque todo autor escreve para expressar suas ideias e seu mundo. Como dizia o Fernando Pessoa: se queres ser universal, ensina a tua língua. Nesse contexto, “ensinar a própria língua” não quer dizer somente ensinar português aos estrangeiros, mas, também, explicar aos outros aquilo que você pensa. Os outros precisam decodificar o seu texto para que possam aceitá-lo e replicá-lo (universalizá-lo).
Explicar o próprio pensamento não é um ato neutro porque ninguém é neutro. Nenhum de nós é um “ser humano ideal”. Todos temos limitações advindas de nossa formação, de nosso entorno geográfico, de nossa cor de pele, de nossas dores. Alguns de nós desnudamos essas controvérsias, outros preferimos escondê-las. Nem todos os que se desnudam desnudam a tudo: escolhe-se algo para ficar oculto. Nem todos os que escondem conseguem esconder tudo: há os atos falhos e há confissões involuntárias.
Fatos existem, mas toda versão dos fatos é ideológica.
Ao se acercar de um texto, você nunca deve aceitar que aquilo ali é um Oráculo do Senhor. Todo autor lhe traz informações verdadeiras e falsas. Alguns mentem de propósito, esses devemos aprender a manusear com luvas de borracha e com máscaras cobrindo o rosto. Outros transmitem, de boa fé, informações falsas. Os segundos podem, no entanto, se tornar como os primeiros se não forem capazes de admitir o erro.
Uma das principais razões pelas quais a direita, no mundo todo, e no Brasil em particular, odeia as aulas de filosofia é que ali se ensina a pensar. Ali se ensina que existiram ao longo da história diferentes versões para os fatos. Ali se aprende que as ideias devem ser postas em confronto, e que há ferramentas para isto na lógica argumentativa.
Nenhum, eu afirmo isso, NENHUM. Eu afirmo isso com mais ênfase, NENHUM discurso político para fins eleitorais que tenha sido vitorioso resiste a cinco minutos de análise textual segundo a lógica argumentativa. Todo o debate político é baseado em manipulações (bem intencionadas ou não) e mentiras (pequenas ou cínicas). Você é enganado o tempo todo, em tudo o que lê e em tudo o que houve. Dependendo da qualidade do texto, do meio, do objetivo da matéria e da honestidade do autor, você pode ter poucas ou muitas mentiras, mentiras pequenas ou mentiras grandes, erros irrelevantes ou erros comprometedores. Se não conseguir aprender a pensar e refletir por conta própria, buscar o confronto das ideias, ler as fontes citadas (quando forem citadas), buscar os críticos destas fontes etc. Se não fizer isso, você não terá um pensamento autônomo, você será um golem movido pelas palavras “divinas” que algum bruxo colocou em sua boca.
Não há um método seguro para diferenciar opiniões e fatos. Um texto opinativo e bastante virulento pode estar carregado de verdades, a exaltação do autor pode ser fruto de sua genuína comoção pelos fatos. Um texto neutro e educado pode ser uma cuidadosa construção para misturar mentiras e verdades, ou ventiras e merdades, no sentido de confundir o senso comum. Não é no arroubo do estilo que se encontra o parâmetro. Por falta de “compostura” você não deixa de acreditar em um jovem que se aproxima de você chorando e gritando que mataram o seu pai. A falta de compostura é reflexo do envolvimento direito. Aquele que sente a dor a expressa. Você não deve acreditar mais no policial que relatará friamente à imprensa que o velho se suicidou. Deve ir atrás dos fatos.
Bem vindo ao mundo do debate político. Muitos que aqui chegam giram nos calcanhares e preferem voltar à segurança e ao conforto da tradição e da palavra de seus líderes. Não volte. O Brasil precisa de gente que pensa, e não de quem se identifica espontaneamente como robô ou minion (ou “lula”, se você fizer questão).