Por causa da educação tecnicista e instrumental que predomina em nosso país, na qual é mais importante atingir metas tangíveis e quantificáveis (notas) do que obter progressos abstratos (aprendizado), é comum encontrarmos erros em textos de pessoas com educação [supostamente] “superior”.
Os erros de que falo são mais do que meros erros de ortografia: referem-se mais a uma pomposidade vazia, um excesso de presunção que leva à obscuridade fútil, além, claro, dos inevitáveis erros de gramática e ortografia.
Em geral os alunos de nossas melhores escolas e cursos privilegiam em seus estudos os aspectos do conhecimento que terão mais impacto em metas quantificáveis (o que “cai na prova”) em vez de seguirem o fluxo completo do processo de aprendizado conceitual. Certas fases são deixadas de lado por “menos importantes”, quando, na verdade, são elos de ligação entre os conceitos centrais. Acontece assim porque o objetivo do processo educacional mecanicista e “instrumental” que temos não é agregar à cultura e à competência do aluno, mas dar-lhe habilidades e diplomas.
Esse aprendizado fragmentário, mesmo nas matérias privilegiadas pela carga horária (matemática e português), faz com que o aluno tenha pouca capacidade real de empregar o conhecimento de maneira livre. Ele o faz, então, de maneira intuitiva, juntando os pedaços de conhecimento que adquiriu, tal como os lembra e como os entende. São alunos que não têm a capacidade de improvisar.
Além disso, dá-se pouca importância à leitura que não seja instrumental (não se “perde tempo” lendo contos, novelas, crônicas, foca-se na “apostila” e nos paradidáticos) e não se exige muito redação criativa. Quando exigida, esta é avaliada mais pelos seus aspectos secundários (ortografia, formalismo) do que pelo seu conteúdo e pela qualidade de seus argumentos. Isso mantém a redação como um bicho papão.
Isso não muda na entrada para a universidade, cujos testes de admissão, apesar das reformas, ainda são muito focados em “pegadinhas” em vez de testes de conhecimento. Para se obter boas notas, às vezes, vale mais ter atenção do que conhecimento, pois não tomar conhecimento de uma palavra (um “não” em determinado lugar em vez de outro) pode inverter o sentido de um enunciado longo e determinar uma resposta diferente da óbvia. Fica ainda pior porque esses testes costumam ser de múltipla escolha (questões fechadas), não oferecendo ao aluno a oportunidade de se expressar. O teste de múltipla escolha é tão comum justamente porque se imagina que em um teste que exija boa redação não haverá aprovados em quantidade suficiente para preencher todas as vagas do sistema superior de ensino (incluindo a iniciativa privada).
A mesma coisa permanece nos cursos universitários, principalmente nos de direito, onde se emprega muito a decoreba e se estimula a utilização de fórmulas pontas para suprir a falta de argumentos próprios. Fica pior ainda quando pensamos que muitas decisões judiciais resultam mais de influências e relacionamentos do que de argumentos. Já ouvi falar de magistrados que davam sentença em questão de minutos, mesmo quando a inicial tinha milhares de páginas. Em muitos casos as petições, ou os próprios despachos, cumprem uma formalidade, mas não têm valor algum em si mesmos. Há alguns anos, ficou famoso o caso do advogado que obteve ganho de causa para seu cliente apesar de incluir em sua petição uma receita de pamonha.
Outro problema é que nem sempre esses documentos são escritos por quem os assina. Em escritórios de advogados, é comum os documentos serem escritos por estagiários, e apenas “revisados” pelos advogados titulares. Juízes costumam assinar, muitas vezes sem ler, documentos redigidos por seus secretários e assessores, em nome da aceleração dos trâmites legais. Embora estas práticas não sejam ilegais, abusivas e nem mesmo antiéticas, a seleção de profissionais nem sempre está à altura do que deverão redigir. Soma-se à relativa desimportância do aspecto estético, característica de uma cultura decadente como a nossa, a relativa falta de preparo dos profissionais de nível hierárquico inferior, que, em geral, provêm de classes menos abastadas e não tiveram educação de qualidade equivalente.
Porém, aqueles que estão ou supõem estar em posições privilegiadas precisam demonstrar isso de alguma forma. Os servidores do judiciário (e também os advogados) costumam diferenciar-se por uma linguagem pomposa a fim de dificultar a análise de seu texto por “inferiores”. Para que o advogado possa ter ascendência sobre uma pessoa “simples” ele não pode escrever de modo simples, assim como o médico se esmera em sua “caligrafeia” porque, em sua opinião, a receita é uma mensagem criptografada que só interessa ao farmacêutico, mas não a quem tomará o remédio.
Esse distanciamento pela obscuridade ajuda a manter o profissional além da crítica. Se o médico escreve uma batatada como “analjésico” o paciente não poderá rir-se dele. Se o advogado peticionasse em linguagem “normal” poderia ocorrer ao seu cliente que o trabalho do causídico não tem tanto valor, pois os argumentos se baseiam apenas no “senso comum” (se for o caso, isso é motivo para valorizar o advogado ainda mais, pois a experiência nos mostra que nada é tão incomum quanto o senso comum).
Disso resulta que, simultaneamente, esses textos contenham, de um lado, banalidades e erros de português, e de outro, vocábulos raros, provérbios e frases em latim.
É mais ou menos a mesma coisa que colocar aerofólios e rodas de liga leve em um Opala 77 e chamar de Lamborghini, mas quem não sabe o que são esportivos de primeira linha vai idolatrar o “Opalão.”