A humanidade não cessa de me decepcionar. A baixeza moral de que os seres humanos são capazes consegue ser, às vezes, tão deprimente, que você se sente tentado a rezar pela vinda de um meteoro que livre esse infeliz planeta de uma espécie tão patética.
Hoje tomei conhecimento da história do “pior guitarrista do mundo”, Richard Benson, e tive a certeza de que o mundo moderno potencializou a monstruosidade moral… com um senso estético.
Benson é um músico inglês radicado na Itália, onde fez carreira no rock progressivo e no pop e se tornou professor de música. Lá ele se casou e se naturalizou, falando italiano praticamente sem sotaque. Até o início dos anos 1990, ele era uma personalidade conhecida na televisão e ganhava a vida como professor de música.
Como muitos artistas, no entanto, Benson nunca conseguiu ganhar dinheiro suficiente para se aposentar cedo e viver bem. Muito do que ganhou ele teve de gastar com os problemas de saúde de sua mulher e com os seus próprios. Hoje idoso, Benson ainda faz shows, sempre sozinho, para ganhar a vida. Esses shows são o espetáculo deprimente de que falei.
Benson erra notas, perde o ritmo, desafina ao cantar. A plateia de jovens que não conheceu seu trabalho nos anos 1970 e 1980 e que não estudou com ele até o fim dos anos 1990 vai a esses shows para zombar de sua dificuldade para tocar. Vaiam-no, humilham-no com palavrões e atiram ao palco substâncias as mais diversas (tomates, leite, macarrão e, às vezes, animais mortos). Benson não se importa, continua a tocar. Quando a sujeira se acumula a sua mulher entra no palco com um lenço e o ajuda a se limpar. Para a plateia ele é um “freak”, uma atração em uma espécie de zoológico humano. Ele não tem dignidade, é alguém para se agredir.
Em algum momento a sua história chegou às redes sociais e o público de seus shows foi aumentado por gente de outros países que passou a ir à Itália para participar de seu linchamento musical. Ele desfrutou da nada invejável fama de “pior guitarrista do mundo”.
Mas essa história não é o que parece.
Existem vídeos antigos que mostram que Benson sabia tocar bem, mesmo não chegando a ser um virtuoso do instrumento. O que ele nunca soube foi ganhar dinheiro, sendo um músico de mediano para bom, que nunca chegou ao estrelato internacional, tendo desfrutado de uma fama incerta e de uma carreira instável. O destino de Benson é o da maioria dos que vivem de arte em um mundo onde o artista só tem valor quando é rico.
No fim dos anos 1990 Benson foi diagnosticado com artrite, uma doença osteomuscular relacionada ao trabalho. No seu caso, o trabalho de músico. Muitos músicos sofrem com tendinites, bursites e artrites no fim da carreira. Dois exemplos famosos de grandes músicos do rock que se tornaram incapazes de tocar devido a problemas semelhantes são Phil Collins (síndrome do túnel do carpo e bursite) e Keith Emerson (tenossinovite e artrite). Emerson inclusive tirou a própria vida, desgostoso de ter ficado impossibilitado de tocar e também por outras razões.
Diferente de Collins e Emerson, que enriqueceram durante o seu auge, Benson, que nunca teve realmente um grande auge, chegou à velhice doente e pobre. Incapacitado de tocar, entrou em depressão e sofreu um “acidente” em 2001, que muitos consideram ter sido uma tentativa de suicídio: caiu de uma ponte em Roma. Desde o acidente, em que perdeu alguns dentes e sofreu fraturas, Benson anda penosamente, com a ajuda de uma bengala. Sua artrite tampouco melhorou, e ele se tornou incapaz de tocar como antes. No entanto, conforme declarou à imprensa: não lhe importa que a plateia lhe atire coisas, o importante é que eles vêm. Benson aceita humilhar-se porque precisa do dinheiro dos ingressos para se sustentar.
Esse é o tipo de coisa que estamos acostumados a associar a pessoas miseráveis em países pobres; de modo algum imaginamos esse destino para um músico profissional que teve uma carreira e que foi professor de seu ofício.
A verdade é que o mundo é cruel e injusto e o “pecado” da falta de dinheiro submete as pessoas, talentosas ou não, bonitas ou feias, a toda sorte de humilhações. Deve ser triste chegar ao fim da vida sem conseguir conquistar pelo menos o conforto de não precisar humilhar-se como Richard Benson o faz.
O consolo que ele ainda tem é que sua família ainda está do seu lado, especialmente a sua mulher, que pacientemente o leva ao palco e de lá o retira, que o ajuda a limpar-se das coisas que a plateia atira. Pelo menos isso, pois as noites devem ser dolorosas para quem precisa passar por isso. Pessoas boas e talentosas, principalmente, nunca deviam passar por isso quando ficassem doentes e idosas.
Mas aqueles que planejam negar aos idosos a dignidade, obrigando-os a terminar a vida em humilhação, esses deveriam passar até por coisa pior, sem o apoio de sequer uma enfermeira de hospital.
Se você entende inglês e não se sentirá destruído por uma história tão revoltante, assista: