Eu tenho uma amiga virtual que costuma me chamar no Facebook para pedir conselho sobre homens. Como eu estou longe, ela consegue abstrair meu sexo e me imagina como um janelinha dentro de um programa de computador — isso lhe permite conversar comigo de uma maneira que ela não conversaria com um amigo normal. Além do que eu não sou muito normal.
Dia desses ela me perguntou por que, com tanta frequência, os homens parecem não ver que a mulher está evidentemente dando bola.
A primeira resposta que lhe dei foi a mais óbvia: “evidente” é um conceito subjetivo. Aquilo que para uma mulher é equivalente a estar pelada na soleira da porta do cara em uma dia de chuva e cantando Ludmilla pode ser, aos olhos dele, um bilhete escrito na língua do manuscrito Voynich que foi transmitido via código morse e impresso em tinta invisível.
Mas ela não se satisfez com essa resposta: “Haverá situações” — ela insistiu — “em que a pista é evidente mesmo, mas o homem não vê, ou parece não ver. Explica isso!”
Minha segunda tentativa de responder foi lembrar-lhe que há caras que gostam de outros caras, ou de mulheres que parecem caras — o que não é caso dela, “evidentemente” (mas só na minha opinião).
Nem isso foi suficiente: “Nem todo cara que me ignora é bicha. Não é possível que eu seja tão gostosa que só uma bicha não vai me querer. Tem que haver uma explicação racional para um cara heterossexual não me notar.”
“Bem,” — eu lhe disse — “os três principais motivos pelos quais um cara deixa de perceber que uma mulher está dando bola são: 1) distração, 2) preferência e 3) patrulhamento.
“Distração é fácil de entender, eu já disse. Você pode achar que está agitando a bandeira à beira do gramado, mas o atacante está lá chutando para o gol e dizendo que não ouviu o apito. Dependendo de onde você está, é tanta luz e tanta cor e tanta coisa que o sujeito pode deixar de perceber um rinoceronte cor-de-rosa. Nesses casos, chega mais perto e tenta de novo.
“Preferência envolve gosto, o que é difícil de entender. Se não for um cara que gosta de outros caras, pode ser que ele não goste da sua cara, entendeu? Não?
“Então pensa assim. As pessoas (e homens) têm gostos muito definidos. Assim como é raro um fã de sertanejo ouvir Beethoven, é impossível um cara com gostos peculiares gostar de uma mulher que não se encaixa. Eu, por exemplo, era muito específico em minhas preferências: só me interessava por mulheres maiores de dezoito anos; morenas, ruivas ou loiras; com no máximo um metro e meio de cabelo; sem nenhum osso aparente e com peso medido em quilos em vez de arrobas; no máximo duas pernas, dois braços e dois peitos (os primeiros, mas não esses últimos, terminando em pés e mãos, respectivamente). Além disso, eu tinha um estranho fetiche por mulheres que não estivessem acompanhadas e que não parecessem estar armadas.”
Minha amiga considerou esta uma explicação interessante, mas insuficiente.
“Às vezes parece que o sujeito está olhando para mim, mas não me vê.”
“Esta pode ser uma explicação. Problemas de visão. Muita gente usa óculos, mas deixa em casa quando sai para a noite porque não gosta da aparência. Ou então usa lentes de contato inferiores, dessas que irritam e coçam mas não ajudam a enxergar direito. Falta de óculos é um problema tão comum que eu conheço pelo menos uns três sujeitos que por causa disso saíram com travestis sem perceber, você veja só.”
Minha amiga ficou pensativa. Parecia compreender, afinal.
“Mas… E se o cara realmente me vê, mas não toma a iniciativa? Homem gosta de tomar a iniciativa, não gosta?”
“Depende. Uma das características do homem é que ele é um bicho territorial. Ou seja: quando está fora do seu território de caça habitual ele se sente acuado. Anda mais preocupado com o predador que pode abatê-lo de surpresa do que realmente com a presa que pode estar por perto. Então, se a presa parece fácil demais… como uma que está dando bola claramente… você conhece o ditado: laranja madura em beira de estrada…”
“Ou seja: se o cara me vê e não me ‘ataca’ é porque ele está com medo!”
“Ou respeito.”
“Respeito?”
“Sim. Raro é o homem que procura a mulher de outro homem.”
“Ah, sim, respeito.”
“Na verdade esse é o medo. O respeito a que me refiro é quando o homem acha que não vai dar certo, que a mulher é ‘muita areia’ para o seu caminhãozinho.”
“Mesmo ela dando bola?”
“Tem homem que realmente tem complexo de caminhãozinho… Por isso é que tem tanto feio bem arranjado com namorada. Quando o sujeito realmente não foi favorecido pela natureza, só lhe resta a ousadia ou o seminário. Você sabe, ser padre hoje em dia é bem raro.”
“Mas um dia desses eu podia jurar que o rapaz estava a fim de mim. Ele viu que eu estava piscando para ele. Ele me olhou bem nos olhos, mas saiu de fino.”
“Era tarde ou era cedo?”
“Como assim?”
“Bem, eu nem devia ter perguntando. Tarde ou cedo é relativo também. Olha, se o cara está bem vestido, mas já é tarde, pode já ter gastado a sua grana, então fica com vergonha de arrumar uma namorada que parece de alto tipo porque não tem mais para pagar uísque, só cerveja barata e cachaça, ou nem isso.”
“Mas era cedo, bem cedo.”
“Uai, talvez ele achasse que ainda era cedo para escolher um par.”
“Mas ele não ficou com ninguém aquela noite.”
“Podem ser os mentirosos, então.”
“Mentirosos?”
“Tem uns caras que gostam de inventar histórias, de que a mulher não está sozinha, tem defeito ou nem é mulher. Daí o cara perde a coragem ou fica desinteressado.”
“Isso já aconteceu com você?”
“Já. Uma vez uma mulher estava junto à porta de entrada da discoteca e me dando uma bola tremenda. Meus amigos me disseram que eu não devia ir atrás, porque ‘aquilo não é uma mulher’. Eu insisti, disse que era, sim, e que, mesmo não sendo, eu não me importava, porque era tão bonita que era a mesma coisa. Eles insistiram: ‘cara, aquilo não é mulher’. Eu já estava chateado com eles por falarem assim de um ser humano. ‘Aquilo’. Resolvi que, mesmo não ficando com a pessoa eu lhe daria uma atenção. ‘Aquilo’. Falta respeito à dignidade humana!
“Então atravessei o salão da discoteca em direção à porta de entrada. Resoluto. Sem preconceitos!”
“E então?”
“Aquilo não era uma mulher, era uma samambaia.”