A convite de Alec Silva, da comunidade “A Literatura Nacional Tem Que Acabar”, no Facebook, aceitei o desafio de reescrever uma cena de uma obra literária por ele selecionada.
Não sei de que obra se trata e tampouco sei qual é o contexto, sei que o original era horrível (imagem incluída abaixo) e que eu me propus a criar uma cena legível a partir dos poucos elementos disponíveis para a recriação.
Obrigado ao Alec, pelo desafio.
Axel atingiu seu adversário com um soco poderoso. Suas mãos estavam protegidas por ataduras, que o ajudavam a marcar mais o rosto de quem ele golpeasse. Algumas dessas marcas o tempo apagaria, outras talvez não.
O homem já estava desfigurado e sangrando, mas tentaria mais um contra-ataque. Tinha uma reputação a manter, por isso não podia desistir do combate. Sua pele escura disfarçava um pouco o sangue que vertia.
Ele era um homem grande, mas naquele momento Axel o percebeu menor. As ataduras em torno de suas mãos não estavam sujas do sangue do adversário. Seu olhar parecia vidrado e seus movimentos eram mais lentos.
Ele avançou pesadamente, mas sem se proteger como devia. A técnica, àquela altura, era uma vaga lembrança em sua mente turvada pela dor e pela vergonha. Axel não tinha pena. Sabia quem era aquele homem. Sabia que ele nunca tivera pena de ninguém.
Em dois golpes diretos e secos Axel o derrubaria. O primeiro golpe, à altura do peito, deve ter lhe partido uma costela. A partir de então o adversário já não conseguiria movimentar livremente os braços e nem respiraria com facilidade. O segundo golpe, diagonalmente no rosto, fraturou o seu nariz e o fez cair. O mundo daquele homem se apagou em trevas cheias de borboletas e vaga-lumes multicoloridos.
Gnoll então caiu. A lona vibrou com sua queda, quase desequilibrando Axel, que era menor e mais leve. Estava derrotado. Não havia mais o que fazer. De dentro da escuridão cheia de manchas multicoloridas, espessa de dor e de sangue a pulsar pelas têmporas, entrecortada por uma respiração sofrida, escutou a algazarra.
Os gritos da turba ao redor do ringue eram piores do que os golpes. Os golpes o haviam ferido, mas ele era de uma raça forte e conseguiria sarar um dia. Os ferimentos das lutas anteriores eram apenas lembranças, que nem doíam. Mas aqueles gritos feriam sua honra, sua imagem, seu legado.
Sempre fora o rei daquele lugar desde o dia em que derrotara o antigo campeão. Ninguém previa ainda a sua derrota, mesmo depois de dez anos, porque poucos homens eram tão grandes, tão fortes e tão rápidos. Gnoll esperava lutar até a meia-idade, e então se aposentaria rico, poderia tomar para si uma esposa, comprar uma quinta nas serras.
Segurou as lágrimas dentro dos olhos. Suprema humilhação seria chorar naquele momento, naquele momento em que a imagem de uma cabana entre madressilvas e ciprestes começava a esfumaçar como um sonho de que se vai acordando devagar.
Então, por que estupidez aceitara o desafio daquele príncipe? Vencer alguém tão menor, tão franzino, não parecia difícil. Dar uma surra em um nobre, dentro das regras, lhe parecia uma maneira legalizada de desforrar as humilhações do povo. Esmagando aquele príncipe de pele suave ele seria um herói para a sua gente. De qualquer maneira, fazia tempo que ninguém ousava desafiar sua fama, e seus punhos tinham saudades dos queixos de adversários…
O juiz do combate se aproximou e lhe disse alguma coisa que ele não entendeu muito bem. De dentro das trevas de sua mente, Gnoll se lembrou de alguma coisa e deu um tapa forte no chão. Depois outro. E outro.
A multidão silenciou. Tudo silenciou. Gnoll não veria a glória do príncipe, não veria a sua cabana nas montanhas, ao lado de uma camponesa gorda, plantando beterrabas e criando ovelhas.