O grande iceberg seguia sempre para o sul, levando seu inverno letal a terras onde o sol de verão passava alto. E Evagh mantinha-se em silêncio, seguindo de todas as formas o costume de Dooni e Ux Loddhan e dos outros. Em intervalos regulados pelo movimento das estrelas circumpolares os oito magos subiam à alta câmara em que habitava perpetuamente Rlim Shaikorth, meio enrolado em seu divã de gelo. Lá, em um ritual cujas cadências correspondiam à queda das lágrimas em forma de olhos que eram choradas pelo verme, e com genuflexões cronometradas pelo abrir e fechar de sua boca, eles davam a Rlim Shaikorth a adoração necessária. Às vezes o verme estava em silêncio, e às vezes lhes falava, renovando vagamente as promessas que fizera. E Evagh soube dos outros que o verme se mantinha adormecido por um tempo a cada lua nova e que era só nessa época que as lágrimas sanguíneas deixavam de cair e a boca se furtava a abrir e fechar alternadamente.
Na terceira repetição dos ritos de adoração eis que apenas sete dos magos foram à torre. Evagh, contando seu número, percebeu que o homem que faltava era um dos cinco estrangeiros. Depois ele perguntou sobre isso a Dooni e Ux Loddhan e gesticulou inquisitivamente aos quatro nortistas restantes, mas parecia que o destino do feiticeiro ausente era um mistério para todos. Nada sobre ele se ouviu ou se soube desde então, e Evagh, pensando longa e cuidadosamente, ficou um pouco inquieto, pois durante a cerimônia na câmara da torre lhe parecera que o verme estava mais gordo e roliço do que em qualqurer momento anterior.
Cuidadosamente ele perguntou que tipo de nutrição era solicitada por Rlim Shaikorth. Sobre isso havia grande dúvida e discórdia, pois Ux Loddhan afirmava que o verme não se alimentava de nada menos raro que os corações de ursos brancos do Ártico, enquanto Dooni jurava que o seu alimento correto era fígado de baleia. Mas, pelo que sabiam, o verme não comera durante sua viagem sobre Yikilth, e ambos asseveraram que os intervalos entre suas refeições eram mais longos que os de qualquer criatura terrestre, não se contando em horas ou dias, mas em anos inteiros.
O iceberg ainda seguia seu curso, mais vasto e mais prodigioso sob o sol e outra vez, na hora apontada pelas estrelas, que era a véspera de cada terceiro dia, os magos se reuniram na presença de Rlim Shaikorth. Para a perturbação de todos o seu número era somente seis, sendo o mago perdido um outro dos estrangeiros. E o verme crescera ainda mais em tamanho, sendo o crescimento visível no intumescimento de todo o seu corpo, da cabeça à cauda.
Vendo em tais circunstâncias um mau augúrio, os seis fizeram medrosas súplicas ao verme, em todas as suas línguas, e lhe imploraram que lhes dissesse o destino de seus companheiros ausentes. E o verme respondeu, e a sua fala era inteligível por Evagh, Ux Loddhan, Dooni e pelos três nortistas, cada um pensando que ele lhes falara em sua língua nativa.
— Este assunto é um mistério a respeito do qual recebereis esclarecimento no momento certo. Saibam disso: os dois que desapareceram ainda estão presentes e compartilharão, tal como vós, do conhecimento ultramundano e do império que eu, Rlim Shaikorth, lhes prometi.
Posteriormente, quando tinham já descido da torre, Evagh e os dois thulaskianos debateram a interpretação desta resposta. Evagh insistia que o significado era sinistro, pois verdadeiramente os seus companheiros ausentes estavam presentes apenas na barriga do verme, mas os outros sustentaram que os dois haviam sofrido uma transformação mais mística e estariam elevados além da visão e da audição humana. A partir de então eles começaram a se preparar, com orações e austeridade, à espera de uma apoteose sublime que lhes chegaria quando fosse sua hora. Mas Evagh ainda estava receoso, não confiava mais nos juramentos equívocos do verme e a dúvida permanecia nele.
Buscando esclarecer sua dúvida e talvez achar uma pista dos polarianos desaparecidos, ele procurou por todo o grande iceberg, em cujas ameias sua própria casa e as dos outros magos estavam fincadas, tal como pequenas cabanas de pescadores no alto de rochedos oceânicos. Nesta busca os outros não o acompanhariam, receosos de recair no desfavor do verme. De abismo a abismo em Yikilth ele circulou sem obstáculos, como se estivesse em um amplo planalto com picos e aclives e ele subiu perigosamente até as escarpas mais altas e desceu às mais profundas gretas e cavernas onde o sol não chegava e não havia outra luz que do luzir estranho daquele gelo extraterreno. Incorporados nessas paredes, como conchas nas camadas de rochas mais profundas, ele viu habitações tais que o homem nunca construíra e naves que pertenceriam a outras eras ou mundos, mas em nenhum lugar ele pode detectar a presença de qualquer criatura viva, e nenhum espírito ou sombra deu resposta às evocações necromânticas que ele pronunciou ocasionalmente enquanto percorria os abismos e câmaras.
De forma que Evagh ainda estava apreensivo com a traição do verme e resolveu permanecer em vigília na noite precedente à celebração seguinte dos ritos de adoração, e ao cair essa noite ele se assegurou de que todos os outros magos estavam em suas mansões individuais, em número de cinco. E tendo se asseverado disso, começou a vigiar sem distração a entrada da torre de Rlim Shaikorth, que era claramente visível de sua própria janela.
Estranho e gélido era o brilho do iceberg no escuro, pois uma luz como a de estrelas congeladas refulgia continuamente no gelo. Uma lua recentemente cheia se erguia ainda cedo dos mares orientais. Mas Evagh, mantendo vigília em sua janela até a meia-noite, viu que nenhuma forma emergiu daquela torre alta, e nenhuma entrou lá. À meia-noite lhe sobreveio uma súbita sonolência, tal como a sentida por alguém que bebeu um vinho opiáceo, e ele não pode sustentar sua vigília mais, recaindo em um sono profundo e ininterrupto pelo resto da noite.
No dia seguinte havia apenas quatro magos reunidos no domo de gelo para render homenagem a Rlim Shaikorth. E Evagh percebeu que mais dois dos estrangeiros, homens de estatura e peso ainda mais escassos que os de seus companheiros, estavam faltando.