Eu a ouvi ontem à noite
e senti aquele punhal de novo em minha carne,
tive saudades suas como tenho
saudades dos pedaços que fui perdendo.1
Tenho saudades de ter sido sozinho,
de ter atravessado sábados sofrendo.
Aquele silêncio antigo me faz falta
porque há dias em que não quero falar
e outros em que precisava de fugir,
achar um lugar entre as montanhas
para poder me distrair.
Tenho saudades de quem me enganou,
quanto maior a mentira, maior a dor,
maior a falta, poderia ter durado mais
e com mais cicatrizes eu tinha mais história
e ninguém sente a dor em seu pretérito.
Por que fui tão esperto?
Se fosse tolo por alguns dias a mais
teria vivido ainda outro dia que lembrar.
Ah, na verdade agora é que sou tolo:
vivendo como meu um plano alheio,
um destino sonhado por meus pais,
e o amor laçou-me na planície durante meu galope.
Sim, tenho saudades. E do tipo pior.
Tenho saudades difusas,
que não pertencem a coisas,
que não evocam pessoas.
Essas saudades de cores assombram minhas cinzas.
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Um poema escrito em 23 de fevereiro de 2007 e achado num caderno velho, que ia a caminho do lixo, junto com alguns sentimentos de segunda mão. ↩