Traduzido a partir da versão online em Eldritch Dark.
Andrew McGregor e seu sobrinho, John Malcolm, eram precisamente idênticos, salvo um particular. Ambos eram inconfundivelmente escoceses, de tal forma que chegavam à caricatura: caras longas e lábios fechados, esguios e pobres ao ponto da penúria, ambos amavam de uma forma rude o solo áspero das vizinhanças de seus ranchos em El Dorado. A diferença estava em que McGregor, nativo de Ayrshire, era fantasticamente obcecado pela poesia de Burns, que citava em toda ocasião possível, fosse o verso apropriado ou não. Mas o jovem Malcolm, californiano de nascimento, tinha um secreto desdém por qualquer coisa que fosse em rima ou metro, e encarava o entusiasmo literário de seu tio como uma estranha falha de um caráter que era em outros aspectos sólido e admirável. Tal opinião, porém, sempre tivera o cuidado de esconder do velho, ainda que as suas razões para tanto não estivessem relacionadas ao respeito por um idoso ou a afeição por um parente.
McGregor já passara bastante dos oitenta, e uma vida de labor rigoroso tinha curvado suas costas e consumido a sua vitalidade. No espaço de uns poucos meses a sua saúde se deteriorara e ele ficou bastante frágil. Esperava-se que deixaria seu bem-cuidado pomar, bem como um polpudo saldo no banco em Placerville ao seu sobrinho, John Malcolm, filho de sua irmã Elizabeth, em vez dos seus próprios filhos, George e Joseph, que tinham se cansado do trabalho no campo há muito tempo e prosperavam a seu modo em Sacramento. O jovem Malcolm certamente merecia e o rancho que lhe fora deixado por seus pais tinha um solo pior que o de McGregor e nunca lhe dava mais que uma subsistência magra, apesar dos esforços de seus donos.
Um dia McGregor mandou buscar seu sobrinho. O jovem encontrou o ancião sentado em uma poltrona junto à lareira, miseravelmente fraco. Seus dedos tremiam sem cessar enquanto viravam as páginas gastas do exemplar de Burns que segurava. Sua voz era um sussurro rouco e fino.
— Minha hora está por chegar, John — ele disse — mas eu quero lhe dar um presente de minhas próprias mãos antes de rebentar. Toma este exemplar de Burns. Eu lhe recomendo que o manuseie com muita atenção.
Malcolm, um pouco surpreso, aceitou o presente com os agradecimentos apropriados e com todas as expressões de preocupação com a saúde de seu tio. Levou o livro para casa e o pôs em uma prateleira que continha um almanaque, uma Bíblia e dois catálogos de vendas por via postal. Depois disso esqueceu dele.
Uma semana depois Andrew McGregor morreu. Depois de enterrado no cemitério de Georgetown, iniciou-se a busca por um testamento. Nunca o encontraram e, no devido tempo, seus filhos obtiveram a propriedade. Logo depois eles a venderam, não se importando de conservá-la para si mesmos.
John Malcolm engoliu seu desapontamento em um silêncio obstinado e continuou arando sua escapa rochosa de vinhas e pereiras. Consegui economizar um pouco de dinheiro, comprou um pouco mais de terra e por fim se achou em uma posição de conforto um pouco mais tolerável, que só podia se manter, no entando, à custa de trabalho incessante. Casou-se e teve uma filha. Deu-lhe o nome de sua mãe, Elizabeth. Vinte anos depois, as longas horas de labuta alquebrante e o vício da aguardente de El Dorado finalmente completaram seu trabalho. Prematuramente envelhecido antes dos cinquenta, John Malcolm agonizava. Acometido de uma pneumonia dupla, o médico não lhe deu esperanças.
A esposa e a filha de Malcolm estavam à sua cabeceira durante sua agonia. Usualmente calado, o delírio soltara a sua língua e ele falava por horas a fio. Principalmente ele falava do dinheiro e da propriedade que um dia sonhara em herdar do tio, e da mágoa por sua perda, misturada a ofensas ao velho. O testamento perdido estava esquecido de todos há muito tempo, e ninguém supunha que ele ainda se importava tanto, ou mesmo que tivesse se lembrado do assunto por tantos anos.
Sua esposa e filha ficaram chocadas com o seu deblaterar. E num esforço para ocupar a mente, Elizabeth tomou da prateleira um livro, o exemplar de Burns que McGregor uma vez dera ao sobrinho, e começou a ler poemas salteados, um aqui outro ali, virando as páginas febrilmente. Subitamente ela achou uma folha solta, cortada exatamente do tamanho das folhas do livro, inserida e colada de forma tão minuciosa que ninguém teria detectado a sua presença sem abrir o livro no lugar certo. Nesta folha, em tinta desbotada, estava escrito o testamento de Andrew McGregor, em que ele deixava toda a sua propriedade mundana a John Malcolm.
Silenciosamente a menina mostrou o livro à mãe. Quando as duas se curvaram sobre a página amarelada, o moribundo cessou seus murmúrios.
— O que é isso? — ele perguntou, fixo na esposa.
Naquele momento ele estava evidentemente consciente de sua situação, e parecia ter recobrado a sanidade. Elizabeth, inocentemente, foi até a cabeceira e lhe disse que havia encontrado o testamento.
Ele nada disse, mas a sua face ficou cinzenta e vazia, com uma expressão de desespero irreparável. Não voltou a falar. Morreu antes de trinta minutos. Possivelmente a sua morte foi acelerada em muitas horas pelo choque.