Esta entrevista se baseia nas perguntas feitas por Michel Laub, em artigo publicado pela Folha de São Paulo hoje. Como até o momento eu não cheguei a ser procurado por nenhum órgão de imprensa, resolvi considerar estas boas perguntas como sendo a entrevista que eu ainda não dei. Acredito que dificilmente eu conseguirei ser tão espontâneo e irônico em uma entrevista de verdade, mas de qualquer forma está valendo.
- Se seus livros não existissem, ia fazer alguma diferença para alguém além de você?
- Com quase toda certeza, não. Embora minhas obras já tenham sido elogiadas por muita gente, acredito que o mesmo tipo de prazer estético que elas experimentaram lendo o que eu escrevi poderia ser fruído de outras obras literárias. Mesmo que eu esteja enganado em me julgar tão descartável, dificilmente eu chegarei a ter essa resposta ainda em vida – e certamente não a terei depois disso.
- Como seus defeitos interferem no que você escreve? A vaidade, por exemplo.
- Minha vaidade me impede de julgar que minha vaidade interfere no que eu escrevo…
- Entre escrever um grande livro cujo tema magoará uma pessoa muito próxima e querida ou jamais escrever um grande livro, o que você escolheria?
- Eu sempre escolho tentar escrever o grande livro. Prefiro cair de um edifício do que de uma escada dobrável. Cair (falhar) é sempre humilhante, para mim, por isso, é melhor que pelo menos a queda seja grande, e esborrachante. Talvez algum dia vejam grandeza nos meus fracassos. A coisa mais deprimente do mundo é tentar ir só até a esquina e ficar pelo caminho.
- Se um livro seu muito elogiado se baseasse num fato doloroso da sua biografia, que causou a morte de pessoa(s) muito próxima(s) e querida(s), você preferiria que isso não tivesse acontecido e o livro não existisse?
- Eu sou fatalista. Eu não acredito em fadas que concedem desejos e também acredito que o passado é imutável (embora a minha mente trabalhe diuturnamente no sentido de pelo menos modificar a forma como eu o lembro). Por isso eu nunca me peguei pensando em algo assim (e eu tenho uma obra minha, razoavelmente elogiado pelos seus quinze ou vinte leitores, que se baseou em algo trágico).
- Alguma vez você aprendeu algo com uma crítica? Se aprendeu, isso mudou seu jeito de escrever?
- Como poucas pessoas comentam o que escrevo (em geral elas preferem se ofender com os meus valores e com a minha pessoa), eu tenho poucas oportunidades de receber críticas construtivas. Mas aproveito bem estas oportunidades, em geral.
- Se mudou, existe diferença entre escrever para agradar à crítica e, como os autores de best-sellers que você despreza, para agradar ao público?
- Eu não desprezo autores de best-sellers, mas autores de livros ruins que vendem (há ótimos livros que também vendem). Mas acredito que escrever para agradar a crítica é perigoso e pode se tornar um exercício estéril. Eu procuro escrever para agradar ao público, apenas acredito que estou procurando atingir a um público que tem um gosto um pouco mais sofisticado e que não engoliria um autor que desse “ênfase ao fraquejo”.
- O que significa o conceito de “independência” (aspas do entrevistador) no universo literário? Não publicar por grandes editoras? Não ter os livros resenhados pela grande imprensa? Não participar de eventos literários patrocinados por estatais ou bancos? Ter posição política diversa da que você imagina ser a posição política da média dos integrantes desse universo?
- Eu acho que se independente é nunca ser proibido de publicar algo que eu quero publicar. Enquanto eu for livre para publicar o que eu quero, mesmo que para essas obras polêmicas eu tenha que pagar ou botar no prego o meu cacife adquirido antes com outras obras, eu acredito que serei indepenente.
- Só por curiosidade: que posição seria essa? Votar no governo? Criticar o governo? Se declarar contra as panelinhas e as injustiças? Ser contra ou a favor da descriminalização do aborto, da especulação imobiliária, das ciclovias, do agronegócio?
- Devido ao respondido acima, esta pergunta não faz sentido. Acredito na liberdade de expressão até mesmo das ideias de que discordo, e falando em termos literários isto inclui até mesmo ideias que não se pode abordar em meios de comunicação de massa, como valores fascistas.
- Só por curiosidade 2: quem exerce o “poder” (aspas do Facebook) no meio cultural? Os que elogiam você, inclusive em reuniões de júris de prêmios que concedem milhares de reais ao elogiado, fazem parte da conspiração? Alguma vez você disse não a tais ofertas de leite e mel?
- Quem exerce o poder são empresas capitalistas que se interessam basicamente por dinheiro. Isto quer dizer que elas publicam aquilo que acham que vão vender. Acho que isto não é bom nem ruim em si. A única coisa ruim é que o mercado se tornou tão massificado que é muito difícil um autor que ainda não esteja no esquema, ou que não seja nele introduzido através de apadrinhamento, “estoure” como independente para depois se tornar mainstream. Na prática as editoras dão muita prevalência a obras traduzidas e a obras nacionais que dialoguem com a cultura massificada anglo-americana. Isso, para mim, é muito ruim.
- Em que turno do dia você escreve? Usa computador ou telex? Tem algum animal de estimação?
- Geralmente escrevo à noite (exceto agora, que estou de férias). Detalhe que quando escrevo de dia eu consigo escrever mais e melhor. Uso computador, desde 1999 pelo menos. Meus únicos animais de estimação são os passarinhos livres, para quem eu deixo alpiste no quintal, para vê-los vir, pousar, comer e ir embora.
- Bebe?
- Razoavelmente. O meio termo entre um abstêmio rigoroso e Edgar Allan Poe.
- Qual é o seu signo?
- Nós taurinos não acreditamos em horóscopos, isto é só superstição de gente pouco evoluída, ainda não sintonizada com a Era de Aquário.
- O que você sente quando vai tirar a foto que será publicada na orelha do livro?
- Nessas oportunidades eu me lembro do quanto meu queixo é feio, meu cabelo é rebelde, minhas orelhas são grandes e os meus óculos de fundo de garrafa interferem com o flash da câmera.
- O que passa pela sua cabeça quando um(a) fã em situação afetiva “vulnerável” (aspas do tribunal e da carceragem) convida você para um café?
- Sou um homem casado e respeitador da família. Mas se fosse solteiro…
- Ficar mais velho, mais cético e em vários aspectos mais cínico é bom ou ruim para a literatura que você se propõe a fazer?
- Ainda não sei. Em geral as obras que hoje escrevo são melhores do que as que eu escrevia antes, mas há algumas antiguidades que eu realmente respeito muito e não creio que vá superar.
- Quando você lê o livro de um escritor mais ou menos da sua idade, que disputa mais ou menos os mesmos espaços que você, a torcida é para que o texto seja bom ou ruim?
- Se eu pego um livro para ler, quero que o meu tempo seja bem aproveitado. Se os melhores que eu não deixarem espaço para mim no mundo literário, não ligo. Não acho que valha a pena ter sucesso sem ter qualidade. Eu só me incomodo quando vejo uma obra malfeita igual à bunda de quem a cagou tendo sucesso e todo mundo elogiando como se o ruim fosse bom. Isso mortifica o “ventríloquo” do meu coração.
- Você gosta de todos os livros publicados por seus amigos? Se não gosta, isso é um segredo seu, sua opinião foi dada ao referido amigo ou você fala mal dele pelas costas?
- Não falo mal das pessoas pelas costas, o que explica eu estar queimado com tanta gente. Mas em geral eu não falo mal nem pela frente: meus amigos sabem se eu detestei pela economia de elogios que eu lhes dedico.
- Você convive fraternalmente com alguém que, em público ou particular, declarou não gostar dos livros que você escreveu?
- Ainda não tive esta experiência, mas sei que algumas pessoas de quem eu gosto têm sido econômicas com seus elogios à minha obra…
- Se pedem para você explicar o sentido de sua obra numa entrevista, como é a escolha das frases? O critério é a sinceridade, que refletirá de modo desorganizado e hesitante as décadas de um trabalho igualmente desorganizado e hesitante, baseado mais em intuição emocional que em racionalidade? Ou é melhor resumir tudo em termos claros e coerentes, de preferência inteligentes e impactantes, quando não charmosos e engraçados, que causarão efeito imediato de simpatia e interesse no público, garantindo mais entrevistas (e vendas, e cachês de feiras de livro) para quem depende dessa exposição para pagar boa parte das contas?
- Se eu conseguisse explicar o sentido de minhas obras eu não precisaria tê-las escrito. O máximo que consigo fazer é dar uns “toques” ou esclarecer pontos específicos.
- Qual é a pergunta que nunca foi feita e que explicaria, mais do que as centenas de outras perguntas já feitas por pressa, falta de espaço, preguiça, ignorância ou desinteresse (merecido) na sua pessoa, aquilo que você escreve – e, em larga medida, porque as coisas não são tão separadas assim, aquilo que você é?
- Não acho que uma pergunta só resolveria isso. Mas se existe uma pergunta cuja resposta explica muito do que eu sou e penso, esta é: “por que você torce pelo Galo?”
- Qual é o seu time do coração?
- Adivinha!
- Antônio Carlos Magalhães dizia que a maior habilidade de um político é perceber se o seu interlocutor quer dinheiro, prestígio ou carinho, e que o único pecado imperdoável é errar a avaliação – dando carinho, digamos, a quem quer dinheiro. Então, se você pudesse se ver à distância, e sendo um bom velhinho de si mesmo neste Natal, botaria o escritor em questão na lista de mais vendidos, no topo das citações acadêmicas e jornalísticas do nosso tempo ou daria um abraço gostoso nele?
- O topo da lista dos mais vendidos, claro. Com fama e dinheiro você consegue até fazer as pessoas acharem que você escreve bem! É uma “magia”! Depois disso você pode até conquistar os acadêmicos e abraços, bem, sempre existe gente disposta a abraçar pessoas ricas e famosas.
O único lugar onde eu já entrei e vi “vários livros meus” é aqui em casa mesmo, então eu digo que me sinto bem ao entrar nesse lugar…
Ao ver alguém lendo eu sinto uma ansiedade enorme por saber a opinião do leitor, tão grande que tenho de sair de perto.
como se sente ao entrar num lugar e ver vários livros seus? e ao ver alguém lendo como se sente?