> [Original de Clark Ashton-Smith](http://letraseletricas.blog.br/lit/2013/05/traducao-abandonados-em-andromeda-clark-ashton-smith)
O cenário no qual emergiu era mais louco e selvagem do que as esquisitices de um delírio febril. Por um instante ele pensou que as coisas ao seu redor eram o produto de alguma alucinação, fruto de seu cérebro e nervos superexcitados. O monstro voador estava estendido no chão e envolto, desde a cabeça até a cauda, nos rolos de algo que Roverton só pode designar como uma anaconda vegetal. Os rolos eram verde claros com manchas irregulares violáceas e marrons e pareciam ter dezenas de metros e comprimento. Terminavam em três cabeças cobertas de bocas como as ventosas de um polvo. Os rolos tinham envolvido o pássaro muitas vezes e evidentemente possuíam um poder constritivo enorme, pois tinham se apertado sobre sua presa de tal forma que corpo se deformava entre eles em rugas e protuberâncias nojentas. Estavam visivelmente enraizadas em um solo negro, de aparência viscosa e eram inchados na base como o tronco de uma árvore antiga. As três cabeças tinham se fixado às costas de sua vítima prostrada e estavam obviamente extraindo nutrientes dela através de suas inúmeras ventosas.
Em torno do pássaro, nos vapores ferventes que subiam do chão como uma fumaça, jaziam as copas que balançavam e os troncos que se retorciam, galhos e antenas de uma mistura de formas vegetais meio ofídicas ou animalescas. Variavam em tamanho de videiras que não eram maiores que cobras corais até bulbos amorfos com centenas de tentáculos que se retorciam, grandes como o mitológico kraken. Não eram menos diversas que as várias espécies de plantas de uma selva terrena, e todas estavam horrivelmente vivas. Muitas eram isentas de qualquer coisa que lembrasse folhas, mas outras tinham copas que pareciam dedos ou um tipo de folhagem que sugeria uma rede de cordas cabeludas e que sem dúvida serviam ao mesmo propósito de teias de aranhas, pois em algumas dessas redes estranhos insetos e mal-afortunados pássaros tinham sido capturados. Outras árvores davam intumescidos frutos ovais ou globulares e tinham flores de aparência carnosa que podiam se fechar como bocas sobre suas presas. Acima delas, além dos vapores fumegantes, um sol inchado e quente ardia desde uma altitude quase vertical. Roverton compreendeu que o monstro-pássaro, voando a muitas centenas de quilômetros por hora, devia tê-los levado a uma zona subtropical do mundo em que estavam abandonados.
Adams e Deming tinham já se esgueirado para fora e estavam de pé ao lado de Roverton. Por um momento nenhum dos três pôde pronunciar uma palavra, na profunda estupefação com que contemplavam as cercanias. Instintivamente todos procuravam uma trilha de escape entre as fileiras de monstruosidade vegetal que os cercavam de todos os lados. Mas não havia nenhuma interrupção em qualquer direção, só uma infinita contorção de coisas que eram claramente venenosas, maléficas e inimigas. E, de certo modo, sentiam que aquelas entidades-planta tinham consciência de sua presença, que os observavam com atenção e que, de uma maneira não reconhecível pelos sentidos humanos, estavam mesmo discutindo ou debatendo a respeito deles.
Adams se aventurou a dar um passo à frente. Instantaneamente um longo tentáculo saltou de uma das formas titânicas mais próximas e o envolveu. Lutando e gritando, ele foi arrastando até a grande massa escura de onde os tentáculos emanavam. Havia lá uma boca aberta como uma grande taça vermelha, de quase um metro de largura, bem no centro desta massa e, antes que seus companheiros sequer pudessem mover-se, Adams foi atirado dentro da abertura que, então, se fechou sobre ele como a boca de um saco amarrado. Roverton e Deming foram petrificados pelo horror, mas antes que eles pudessem sequer pensar em se mover de onde estavam, mais dois tentáculos saltaram e os agarraram pela altura da cintura. Estavam presos com a firmeza de um cabo de aço e ambos sentiam uma espécie de choque elétrico ao contato — um choque que servia para atordoá-los ainda mais. Quase desmaiando, foram erguidos pelas horríveis gavinhas.
Nada mais aconteceu por um breve intervalo de tempo. A estranheza incompreensível de sua situação, as inúmeras fadigas e provas do dia, juntamente com os choques daquelas gavinhas, tinham atordoado os dois homens de tal forma que eles mal podiam entender o fim de seu companheiro ou a iminência do seu próprio fim.
Tudo ficou irreal, nebuloso, onírico. Então, através da vaguidão que envolvera seus sentidos, viram que a massa escura no meio dos tentáculos estava começando a se mexer e a agitar-se. Logo a agitação se tornou uma convulsão que ficou mais e mais violenta. Roverton e Deming caíram ao chão quando as gavinhas afrouxaram e viram o chicotear de uma dúzia de tentáculos no ar acima deles, balançando de um lado a outro sobre a agitada massa central. Então, de dentro desta massa, o corpo de Adams foi ejetado, caindo ao lado de Roverton e Deming. Obviamente, a carne humana não tinha combinado com a digestão do monstro vegetal andromedano. A massa continuou a balançar e palpitar e os seus muitos braços acenavam pelo ar numa forma de agonia.
Os dois não ousaram olhar para o corpo de seu bravo camarada. Enojados e totalmente esgotados pelo cansaço e pelo horror, eles se prostraram no chão. Depois de um momento, sentiram os tentáculos os envolverem mais uma vez, mas não foram levados à boca central, mas carregados e arrastados em direção ao emaranhado de formas alienígenas além do kraken vegetal. De lá eles foram capturados pelos membros serpentinos de outras plantas vivas e levados adiante através da selva.
Eles tinham vaga noção de muitos tipos de bocas que se arreganhavam ou mordiam o ar ao seu lado, sentiam os brotos que oscilavam como antenas e tateavam, viram galhos pendentes armados de espinhos como dardos, viram flores vermelhas de metro e meio de largura, com línguas fendidas de que pingava um mel venenoso. E em tudo em volta ouviam o gemido ou os gritos ou os chiados de animais capturados pelas plantas demoníacas, e viam as bocas arreganhadas que devoravam os corpos de suas vítimas, ou as ventosas que se fechavam sobre eles como os lábios de vampiros. Mas entre esses terrores de uma flora transestelear os homens passaram intocados e sem feridas e foram arrastados de gavinha em galho, de rede a flor, através dos bosques inimagináveis. Era como se todas estas coisas carnívoras e mortais tivessem sido advertidas de sua natureza não comestível e os estivessem jogando fora.
Por fim, a luz ficou mais forte e os homens perceberam que se aproximavam da beira da selva. A última das plantas monstruosas lhes deu um impulso veemente com seus grandes braços e o solo fumegante de uma planície sem árvores moveu-se e rodopiou diante deles enquanto caíam inconscientes sob a luz do sol.