Vamos combinar uma coisa: não existem obras “altamente intelectuais” em que o autor não consegue passar sua mensagem e não há obras “com grande carga emocional” com as quais o leitor não consegue se identificar.
A própria definição de intelectualidade exige clareza. Uma obra inteligente é inteligível. Pode ser que não seja inteligível para mim, por me faltar bases teóricas ou experiência de vida para captar o que ela diz, mas obscura não é.
O adjetivo que se deve dar a obras “em que o autor não consegue passar a mensagem” é “ruins”.
Da mesma forma “obras com grande carga emocional” com as quais o leitor não se identifica. Se a obra é emocionante então emociona, simples assim. Pode ser que não emocione igualmente a todos, porque pessoas diferentes se emocionam com coisas diferentes. Mas não se pode crer que a obra seja vazia de emoções se tanta gente diz que ela emociona.
Se a obra não consegue emocionar ninguém, além de ruim é chata.
Mas, mais uma vez, o fato de eu não entender e nem me emocionar não necessariamente quer dizer que a culpa é da obra. Eu não tenho o direito de avaliar o mundo a partir de minha capacidade de entender. O mundo continua depois do horizonte. Ou, de forma mais rude: o mundo não é limitado pela minha ignorância.
É impossível banhar-se duas vezes no mesmo rio, conforme disse Heráclito. Muda o rio, que constantemente flui, e mudamos nós. A obra não muda, mas nós mudamos, então não a entenderemos da mesma maneira.
Por isso o crítico deve ter grande humildade para se acercar daquilo que não entende, e até mesmo do que acha que entende. Nada é mais tentador do que descartar o que não alcançamos, como a raposa da fábula. Mesmo uma opinião ousada precisa deixar uma porta entreaberta. Se não para tentar uma reaproximação, para nos deixar uma rota de fuga.