Dependendo do tipo de pensamento político de cada um, serão expressadas diferentes visões do que seja humor, ou deva ser. A ideologia subjacente ao pensamento do indivíduo condicionará não somente suas atitudes e dizeres, mas também as categorias com que classifica o mundo real. Sendo o humor um fenômeno existente no mundo real, ele também será entendido de forma diferente, e classificado em compartimentos diferentes conforme a ideologia de quem o entende e classifica.
Tipicamente o humor de esquerda, que tem mais raízes históricas, se baseia no velho ditado latino: Ridendo castigat mores (com o riso, castigai os costumes). Para o humor de esquerda, fazer rir é fazer pensar e, portanto, o humorismo é necessariamente político. É um tipo de humor que anda passo a passo com o debate social, que se preocupa com a realidade. Possui uma longa tradição, desde os comediantes gregos, como Aristófanes, passando pelos autores satíricos romanos, como Apuleio, e por respeitáveis nomes da cultura ocidental, como Erasmo de Roterdã (Elogio da Loucura), Padre Vieira (A Arte de Furtar), Voltaire (Cândido) e Charles Chaplin (O Grande Ditador).
O humorista de esquerda é alguém que denuncia o que considera errado e injusto, de acordo com a sua concepção pessoal de mundo. Fazer humor pela esquerda é manifestar um certo “mal-estar” em relação ao que todos aceitam como normal. Não por acaso o humorista muitas vezes foi visto como uma espécie de consciência moral da sociedade.
Algumas pessoas poderão concordar e outras discordar da opinião pessoal do humorista, mas o debate suscitado é sempre salutar porque nos faz pensar que as coisas não são necessariamente do jeito que são. Faz parte do cerne ideológico da esquerda a noção de que nada é para sempre, nada é sagrado, nada está escrito em pedra. Questionar não é só possível, mas preciso. Pois a democracia somente pode resistir enquanto for possível apontar o dedo para as falhas do sistema, e seus conflitos de valores. A partir do momento em que apontar o dedo se torna impossível, a democracia perdeu seu sentido e se transformou em uma grande farsa, a um passo da opressão aberta.
Esses pequenos questionamentos, apresentados através do humor, mesmo quando descompromissado, nos levam a imaginar outros mundos possíveis, propor alternativas, pensar fora da caixa, ousar. Romper com o consenso da tradição abre novas possibilidades não só para a arte, mas para o próprio progresso da sociedade. E esse tipo de questionamento pode estar até mesmo nos locais menos esperados, como no cartum do Amigo da Onça que satiriza o absurdo de se esperar que quaisquer duas pessoas, sob regras supostamente neutras, possam competir. Uma ideologia antiga, muito em voga ainda hoje.
O humor de direita, porém, não procura nada disso. O humorista de direita é adepto do humor pelo humor, seguindo a filosofia de outro ditado latino: Ars gratia artis (a arte pela arte). Para o humorista conservador, o riso é sempre mais fácil quando se segue o pensamento majoritário. Ficar dentro da caixa é sempre seguro. Mas, se os caminhos conhecidos só nos levam aonde outros já foram, pelo menos sabemos que certos caminhos nos levam a certos lugares aonde não queremos ir, ou queremos?
Nenhum estereótipo é bom, mas alguns certamente são piores do que os outros. Refiro-me aos que se tornam excessivamente populares. Estereótipos são rótulos e, como tal, desumanizam os indivíduos, negando suas particularidades. Se desumanizamos alguém, seja qual for o motivo que nos anime a isso, tornamos cada integrante deste grupo social mais vulnerável. Desqualificamos suas pretensões, castramos suas reivindicações, limitamos o alcance de seu discurso. A desumanização através do estereótipo facilita a violência. Mas, em alguns casos, pode ser utilizada para desqualificar até mesmo as pessoas de fora dos grupos atingidos quando simpatizam com o sofrimento imposto a outros seres humanos.
O humor de direita se torna, então, um instrumento de opressão ideológica, porque, abaixo de sua fina capa de neutralidade (“humor é só fazer rir”) ele resvala para a repetição do discurso prevalente, através do emprego de estereótipos e preconceitos que correspondem a padrões arquetípicos: piada “de português”, “de papagaio”, “de negro”, “de bicha”, “de maconheiro”, “de corno” etc. E esse não é o único vício que transforma o humor de direita em um instrumento reacionário: mais do que repetir estereótipos espontâneos que refletem a inércia cultural da sociedade, não é incomum que esses humoristas, prontos a desqualificar a visão de mundo oposta à sua, funcionem como veículo de um discurso deliberado, ajudando a praticar uma lavagem cerebral muito nociva à sociedade e ao mundo como um todo. Como se vê no cartum abaixo, produzido nos Estados Unidos no começo do século XX:
Notem que o aluno negro não estuda, mas limpa as janelas, o índio está de castigo, lendo a cartilha de cabeça para baixo, e um outro aluno negro, não identificado, está fora da sala de aula. No quadro negro estão quatro frases: “O consentimento dos governados é uma coisa boa em teoria, mas muito rara na prática”, “A Inglaterra tem governado suas colônias com ou sem o seu consentimento. Por não esperar o seu consentimento, ela avançou grandemente a civilização mundial”. “Os Estados Unidos devem governar seus novos territórios com ou sem o seu consentimento até que eles possam governar-se a si mesmos”.
Alguns que me leem talvez nunca consigam entender porque este cartum é odioso. Espero que estas pessoas um dia compreendam, porque um mundo no qual a maioria dos leitores ache graça de um cartum como o acima transcrito é um mundo no qual nunca haverá esperança de paz. Podem prender, podem bater, podem matar, mas sempre haverá mais violência à espera.
Que lixo de texto petista. Não existe humor de esquerda nem de direita, o que existe é humor bom e ruim, não importa o lado político. O que acontece é que se o humorista atacar o partido dominante do país ele é taxado como o humorista do mau.
Muito bom texto Zé Geraldo! E como essas diferenças são sutis, muitas vezes nem perceptíveis, se não observados com bastante critério.