> [Original de Clark Ashton-Smith](http://letraseletricas.blog.br/lit/2013/05/traducao-abandonados-em-andromeda-clark-ashton-smith)
As horas se arrastaram. Eles conversaram com uma loquacidade esporádica, mas febril, em um esforço para vencer o nervosismo de que tinham plena, mas incontrolável, consciência. Homens fortes e maduros como eram, sentiram-se às vezes como crianças sozinhas no escuro, com uma horda de monstruosos terrores cercando-os de todos os lados. Quando o silêncio caía, a informulável estranheza e horror das trevas circundantes parecia chegar mais para perto, e eles não ousavam ficar calados muito tempo. O silêncio dos céus difusos e do chão opaco era opressivo com uma ameaça inimaginável. Uma vez, ouviram um som distante, como o ranger e estalar de uma engrenagem enferrujada. Ele logo cessou e não se repetiu, mas em intervalos longos havia estrídulos curtos e agudos, como os de insetos, que pareciam vir de mais perto. Eram tão altos e desagradáveis que os dentes dos três homens iam ao limite quando os ouviam.
Subitamente perceberam que a escuridão começava a clarear. Uma cintilação fria rastejou pelo chão e as massas rochosas se definiram mais claramente. A luz era muito peculiar, pois parecia emanar do solo e subir tremulando em ondas visíveis como as do calor. Era levemente iridescente, como o nimbo de uma lua entre nuvens, e, ganhando força, logo pareceu comparável ao luar terrestre em seu poder de iluminação. Abaixo dela o solo exibia uma cor cinza esverdeada e uma consistência que lembrava o barro meio seco. Os lados das formações rochosas eram claramente iluminados, embora seus topos permanecessem na sombra. A substância musgosa que os cobria tinha uma tonalidade púrpura e era muito comprida, rústica e peluda.
Os amotinados ficaram muito perplexos com a luz:
— É algum tipo de radiação? — Perguntou Roverton — É fosforescência? É devida a algum micro-organismo luminoso, um tipo de noctiluca?
Ele desceu e olhou mais de perto as ondas trêmulas de iridescência. Então soltou uma exclamação. A luz, ao subir, parecia cheia de grãos de poeira infinitesimais, que flutuavam a cerca de trinta centímetros do chão em seu voo mais alto. Eles se acumulavam incessantemente até esse nível em abundantes milhões.
— Animálculos de alguma espécie. — decidiu Roverton — Evidentemente seus corpos são muito luminescentes, quase dá para ler sob essa luz.
Ele olhou seu relógio e viu que os números eram claramente distinguíveis. Depois de um tempo a estranha luminosidade começou a diminuir e desceu para o solo como ela tinha surgido. A escuridão restabelecida não foi, porém, de grande duração. Logo a paisagem exibiu seus contornos mais uma vez, e desta feita a luz veio de uma maneira normal, como a aurora de uma manhã nublada. Ficou então visível uma planície, com ondulações mal perceptíveis e coberta de dúzias de formações rochosas esféricas, que se perdia na distância por causa dos jatos de vapor agitado que subiam do chão. Uma torrente preguiçosa e plúmbea corria pela planície, a cerca de sessenta metros de onde Roverton e seus companheiros estavam sentados, até se perder na névoa. Logo os vapores, a princípio incolores, se tingiram de cores cada vez mais fortes — rosa, açafrão, amarelo e púrpura — como se uma aurora se erguesse por detrás. Havia uma claridade no centro desta visão prismática, e era óbvio que se tratava do corpo solar, Delta Andromedæ, que subira acima do horizonte. O ar ficou rapidamente mais quente. Vendo a torrente próxima, os homens todos se lembraram que estavam excessivamente sedentos. A água talvez não fosse potável, mas decidiram arriscar. O líquido era peculiarmente espesso, leitoso e opaco. O gosto era um tanto salobro, mas mesmo assim aliviou sua sede e eles não sentiram efeitos nocivos imediatos.
— Agora o desjejum, se pudermos achar um. — disse Roverton — Não nos falta nada a não ser comida, utensílios e combustível.
— Não acho que encontraremos nada disso ficando onde estamos — observou Adams. De todos os buracos desolados! Vamos!
Começou uma discussão sobre a direção que deveriam tomar. Todos se sentaram de novo em uma das massas musgosas roxas para decidir o problema tão importante. A paisagem era igualmente estéril e assustadora para todos os lados, mas eles por fim concordaram em seguir o fluxo do córrego plúmbeo, que corria para o espetáculo da aurora. Estavam prontos para levantarem-se quando a pedra em que se sentavam pareceu saltar para cima de repente. Adams se viu estatelado no chão, mas os outros dois foram bastante rápidos para salvarem-se do mesmo destino. Assustados, eles saltaram para longe e, olhando para trás, viram que a grande massa tinha se aberto, como se fendida pelo centro, revelando um buraco imenso, bordejado de um material branco que parecia o interior do estômago de um animal. O material tremia incessantemente e um liquido gelatinoso brotava de dentro dele, como saliva ou fluido digestivo.
— Deus do céu! — exclamou Roverton. Quem sonharia com algo parecido? É uma planta, um animal, ou ambos?
Ele se aproximou da massa, que não dava sinais de movimento a não ser o estremecimento. Aparentemente ficava enraizada ou profundamente inserida no chão. Ao se aproximar, a produção do líquido gelatinoso se tornou mais copiosa.
Um estrídulo agudo parecido com os ruídos ouvidos durante a noite se ouviu então. Ao voltar-se, os amotinados viram uma criatura das mais singulares voando em sua direção. Era grande como uma xícara de chá, mas tinha a aparência geral de um inseto em vez de um pássaro. Tinha quatro asas grandes, pontudas e membranosas, um corpo grosso e vermicular, marcado em segmentos, uma cabeça fina com dois apêndices periscópicos pretos em cima, uma dúzia de antenas intricadas e um bico verde-amarelado que parecia o de um papagaio. Corpo e cabeça eram de um cinza nojento como a cor de um verme. A coisa passou voando por Roverton e pousou na substância que ele estivera examinando. Agachando sobre quatro pernas rudimentares e curtas, ela começou a sugar o fluido com seu bico, batendo as asas enquanto o fazia. O fluido jorrou como em ondas e as asas e o corpo da criatura logo estavam brilhando daquele lodo. Então ela parou de sugar e sua cabeça afundou no fluido, ela lutou debilmente para se libertar e então ficou imóvel.
— Eca! — disse Deming — Então é isso. Um tipo Andromedano de planta carnívora ou de papa-moscas. Se as moscas são todas assim, precisaremos de raquetes de tênis em vez de mata-moscas.
Enquanto ele falava, mais três das criaturas insetóides voaram em torno deles e começaram a repetir o destino da predecessora. Tão logo elas estavam bem presas a massa peluda começou a se fechar até que o revestimento branco não estava mais discernível. A fenda por onde se abrira mal podia ser detectada e a coisa parecia mais uma vez um grande calhau musgoso. Olhando em torno, os amotinados viram que outras tinham se aberto e esperavam por suas vítimas.
— Essas coisas poderiam facilmente devorar a um homem — meditou Roverton — e eu detestaria ser pego numa delas. Vamos sair daqui se houver como.
Ele seguiu o caminho ao longo do córrego preguiçoso. Enquanto seguiam-no, viram muitos mais dos insetos voadores, que não prestaram nenhuma atenção aparente. Depois que já haviam percorrido umas poucas centenas de metros, Roverton praticamente pisou numa criatura negra que parecia uma enorme minhoca e que se afastava rastejando da margem. Teria um metro de comprimento, seus movimentos eram extremamente vagarosos e os homens passaram por ela com um tremido de repulsa, pois a coisa era mais nojenta que uma serpente ou qualquer verme.
— O que é isso?
Roverton tinha parado e estava ouvindo. Os outros também pararam e ouviram atentamente. Todos ouviram o som de golpes abafados, perdidos a uma indeterminada distância na neblina. O som era quase ritmado em sua repetição, mas se interrompia às vezes. Quando parava, havia o som estridente de um coro de pipilados agudos.
— Continuamos? — Roverton tinha baixado a voz, cuidadosamente. Estamos desarmados e só o diabo sabe no que nos meteremos. Podemos encontrar seres inteligentes, mas não há meios de saber previamente se eles serão hostis ou não.
Antes que seus companheiros pudessem responder, a neblina se dissipou e revelou um espetáculo singular. Não mais que uns cem metros córrego abaixo, uma dúzia de seres parecidos com pigmeus, com cerca de meio metro de altura, se reunia em torno de uma das massas roxas. Com instrumentos cuja forma geral sugeria facas e machados eles cortavam o revestimento musgoso e arrancavam grandes nacos do material carnoso e branco que havia dentro. Mesmo à distância se podia ver que a massa se agitava convulsivamente, como se sentisse os golpes.
Subitamente o corte foi suspenso. Uma vez mais os pipilados se ouviram. Os pigmeus, todos, se voltaram e pareceram olhar na direção de Roverton e seus companheiros. Então o som mudou e ganhou uma nota alta, rascante, como um chamado. Como se o atendessem, três monstruosas criaturas apareceram da neblina. Cada uma teria seis metros de comprimento, e eram todas como lagartos gordos e tinham um número indefinido de pequeninas pernas sobre as quais se arrastavam ou rastejavam com admirável rapidez. Cada uma delas tinha quatro selas de um modelo fantástico, dispostas em intervalos sobre o dorso. Elas se abaixaram, como se ouvissem um comando, e todos os pigmeus montaram com incrível agilidade. Então, ao som de gritos estridentes, a cavalgada extraterrestre avançou contra os viajantes. Não havia tempo para sequer pensar em fugir. A velocidade das criaturas-lagarto era muito mais que a do mais veloz dos corredores: em uns poucos instantes eles alcançaram os três homens, cercaram-nos e os contiveram com seu comprimento mastodôntico. As criaturas eram ao mesmo tempo grotescas e terríveis, com suas cabeças de sapo atarracadas e seus corpos balofos pintados com desenhos sinistros, em azuis pálidos, negros desbotados e amarelos argilosos. Cada uma delas tinha um único e arregalado olho que brilhava com uma fosforescência rubra no meio de sua face. Suas orelhas, ou o que pareciam ser orelhas, caíam ao lado de suas mandíbulas em dobras enrugadas, pendurando-se como barbelas.
Seus ginetes, vistos de perto, eram igualmente bizarros e medonhos. Suas cabeças eram grandes e globulares, eram cíclopes, mas possuíam duas bocas, uma em cada lado de um apêndice como a tromba de um elefante, que ficava dependurada quase até seus pés. Seus braços e pernas eram em quantidade normal, mas pareciam ser muito maleáveis e sem ossos, ou tinham uma estrutura óssea radicalmente diferente da dos vertebrados terrestres. Suas mãos tinham quatro dedos com membranas interdigitais translucentes. Seus pés também possuíam membranas, mas terminavam em longas garras recurvas. Estavam completamente nus, pareciam ser pelados e sua pele exibia uma palidez de chumbo. As armas que carregavam eram feitas de um metal arroxeado, de uma cor parecida à do permanganato de potássio. Algumas eram alabardas de cabo curto, outras eram facas em formato de lua crescente, que terminavam em cabos pesados.
—Deus! —gritou Roverton. Se pelo menos nós tivéssemos armas para elefantes ou fuzis automáticos!
— Não acho que encontraremos nada disso ficando onde estamos — observou Adams. De todos os buracos desolados! Vamos!