Há momentos na vida (ou na morte) que precisam ser encarados com relativa seriedade, ou pelo menos devem ter um mínimo de respeito. Se não pelos mortos, que não estão nem aí para o que vai ser dito ou cantado a respeito deles, pelo menos por causa dos vivos. Mas o ser humano, em sua insuperável capacidade de subir o tom da estupidez enquanto não encontrar alguma barreira, tem levado o significado dos rituais religiosos em funerais a limites além da imaginação. Sinceramente, funerais na Austrália, por exemplo, devem ser um barato.
Digo isso porque recentemente o Arcebispo de Melbourne resolveu proibir que em funerais e casamentos sejam executadas «canções românticas, música popular, rock’n’roll ou hinos de futebol». Se você possui um nível de insanidade relativamente baixo, como o meu, você leu esta notícia e imaginou que canções românticas estavam sendo cantadas em casamentos, música popular e rock’n’roll nos bailes que são dados após e os hinos de futebol… bem, caramba, onde é que hino de futebol pode combinar com casamento ou funeral?!
Diante dessa cruel dúvida eu fui pesquisar mais a fundo sobre o Arcebispo e sobre sua polêmica decisão. Logo de cara eu percebi que Dennis Hart deve ser uma pessoa normal: em 2009 ele foi processado por uma paroquiana a quem ele teria dito «Vá para o Inferno, vadia» quando ela o despertou às três da madrugada para pedir uma confissão. Dificilmente haveria algo mais apropriado para se dizer à alma desastrada que teve essa ideia infeliz de acordar o pároco tão tarde da noite. Se fosse uma extrema-unção ainda seria aceitável, mas uma confissão…
Portanto, tendo ficado estabelecido que o Sr. Arcebispo é uma pessoa sensata (porque alguém que não mandasse a beata pro Inferno não o seria), eu comecei a pensar que ele deveria ter boas razões para restringir o tipo de música que se pode tocar nos serviços religiosos católicos na Austrália. Um pouco mais de pesquisa e eu vi que não estava enganado. A medida pode ser um exagero, mas reações exageradas costumam ter motivações igualmente exageradas. Tal foi o caso.
Eu consigo imaginar razões para alguém desejar que um desafeto seja mandado para o além ao som de Highway to Hell (Rodovia para o Inferno), do grupo australiano AC/DC, cujo refrão («Estou dirigindo pela rodovia para o Inferno») é precedido da desagradável afirmação de que «Meus amigos todos já estão lá». Portanto, foi algo chocante para mim saber que houve funerais australianos ao som dessa canção. Igualmente chocante é imaginar um parente partindo ao som de Another One Bites The Dust (Outro Beija o Chão), que possui um verso que diz «Hey, eu vou pegar vocês também». Tenso. Muito tenso.
Só mesmo um genro aliviado, ou um marido muito sofrido tocaria no funeral de uma mulher a canção Ding Dong The Witch Is Dead (Ding Dong, a Bruxa Está Morta), do musical Mágico de Oz. Mas isso aconteceu. E certamente foi tão inesperado quanto o casamento ao som da «Marcha Imperial», de John Williams, aquele triunfante tema instrumental que acompanha o vilão Darth Vader em O Império Contra-Ataca.
Que fique, então, bem esclarecido que eu concordo com a medida tomada pelo Arcebispo. Mesmo tendo me casado ao som de A Whither Shade of Pale. Melhor mesmo proibir esses exageros, ou logo veremos gente sendo velada ao som do Falamansa: Ha ha ha ha ha, Mas eu tô rindo à toa. Não que a vida esteja assim tão boa, mas um sorriso ajuda a melhorar.