Esse ano, no Orkut, lá em princípios de julho de 2010, durante [mais uma] das crises da comunidade Novos Escritores do Brasil, eu fui expulso — e todo o meu trabalho em prol da comunidade, a dedicação de dois anos quase, desapareceu de um minuto para o outro, como se nunca tivesse existido. Desde então, quem entra naquela comunidade ignora quem tenha sido José Geraldo Gouvêa.
Isso me serviu de alerta pungente para algo que eu já estava percebendo há muito tempo, mas que relutava em acatar: havia alguma coisa de muito errada com a maneira como o Orkut vinha sendo usado por mim e por outros, só que o erro não estava aparente e foi preciso uma tensão forte para que a coisa explodisse e o engano ficasse bem claro, fácil de explicar inclusive.
O que havia de errado era a tentativa de utilizar o Orkut como uma plataforma de conteúdo, quando ele sempre foi desenvolvido, desde o início, como uma ferramenta para localização e desenvolvimento de **relacionamentos!** Parece tão óbvio, mas mesmo assim não enxergávamos o que estava bem diante de nossos narizes.
O conceito de plataforma de conteúdo que estou mencionando se refere a um sistema informático para coleta, organização e manipulação de dados textuais que permita a sua posterior **preservação.** Bons exemplos disso são as *wikis* e os *blogs,* sucessores dos antigos sítios estáticos da Rede. Uma plataforma de conteúdo precisa ser voltada para texto, precisa ser otimizada para texto, mas também precisa ter facilidades de acesso e manipulação de outros tipos de dados, como imagens, sons e fórmulas matemáticas.
Mas o Orkut não é isso: o seu objetivo é agregar pessoas que possuem relacionamentos reais ou que compartilham interesses comuns (criando assim, através das comunidades, amizades virtuais que podem ou não se transferir para o mundo físico — nos chamados “Orkontros”). Como o objetivo é apenas servir de suporte para conversa [na maioria das vezes fiada], as ferramentas que ele oferece são muito básicas, insuficientes para que possa ser usado de forma segura por quem produz conteúdo.
O principal problema da utilização do Orkut desta forma é o caráter discricionário da propriedade das comunidades. Desde meus primeiros tempos como “eminência parda” do proprietário lá da N.E.B. eu já alertava todo mundo: “O Orkut não é uma democracia”. Mas muita gente sonhou, por muito tempo, que o sítio pudesse ser uma maneira revolucionária de interconectar pessoas e desenvolver trabalhos literários. Ele foi, mas por pouco tempo, e somente até certo ponto.
O dono de uma comunidade no Orkut não é um presidente da república, não é um prefeito, não é nem mesmo um gerente de banco. O dono de uma comunidade é realmente dono dela, como de um feudo, e devido ao caráter virtual do relacionamento você nem pode dar um golpe militar ou cometer um atentado bem sucedido contra a sua tirania. Quem entra numa comunidade deve aceitar que ela representa a visão de seu proprietário e será sempre autoritária ou arbitrária na medida em que ele seja. A justiça do Orkut é “rápida e terrível”.
Este poder de vida e morte que o dono da comunidade tem não depende de seu mérito, mas do mérito daqueles que vêm frequentar a comunidade. São eles, que pelo número ou pela produção, lhe emprestam o prestígio de poder dizer que é o dono de uma comunidade de tantos ou tais membros. Isso fica especialmente claro nos casos de comunidades “herdadas”: o carisma (ou falta dele) do dono não teve nenhum papel no crescimento inicial da comunidade, mas o tamanho dela lhe dá (ao dono) uma dimensão de poder que quase fascina. É quase natural que os donos de comunidades, exceto se forem ausentes, se transformem em ditadores e tentem impor a sua visão aos demais membros.
Isso não é um problema quando estamos falando de comunidades realmente voltadas para interesses comuns, como a “Eu Odeio Funk”, por exemplo. Não se espera que haja divergência de opinião numa comunidade dessas: todos que lá entram odeiam funk e ponto final. Mas temos uma situação delicada quando a comunidade é de uma natureza que enseja debates, que se beneficia de opiniões discordantes. O dono da comunidade, seu ditador perpétuo e onipotente (talvez seja melhor dizer até seu “semideus”), fatalmente tentará coibir estas divergências, forjar a comunidade à sua imagem e semelhança.
Como parte de sua atuação para controlar as opiniões e construir consenso em torno de si, ou melhor, de construir um culto à personalidade que é análogo ao que faziam Stálin, Hitler… e Hiroíto o dono da comunidade fará uso de uma ferramenta básica e temível, uma espécie de sentença de morte virtual: o banimento.
O membro banido se torna pária na comunidade porque é impensável defendê-lo: todos tenderão a aprovar a decisão tomada pelo *führer* a fim de não atraírem sobre si a sua ira. Os que não forem lamber as botas do ditador, permanecerão em sábio silêncio, afastando-se temporariamente até as coisas esfriarem. Mais do que isso, o expulso é apagado da memória da comunidade, tal como as “impessoas” imaginadas por George Orwell em *1984*. Os seus trabalhos, comentários e até os traços de sua presença podem ser apagados pelo premir de um botão, tal como o Teodoro podia matar o mandarim na China no romance célebre de Eça.
A perda de todo traço da presença do expulso é um perigo real e imediato no mundo virtual. Basta que alguém no Google ache que seu *blog* viola algum artigo dos termos de uso e você o terá apagado praticamente sem aviso e perderá tudo, a menos que tenha feito cópia de segurança. O mesmo acontece no Orkut, só que de forma ainda mais grave: no Orkut não há cópia de segurança, há uma precariedade total dos dados.
Tudo isso que aconteceu fez muita gente pensar. Muita gente está percebendo que o Orkut é uma ferramenta falida quando se trata de conteúdo. Não é possível pensá-lo a sério como um lugar para mostrar o seu trabalho, devido ao caráter arbitrário da liderança em qualquer comunidade. Então é hora de repensar o modo como usamos esta ferramenta de contatos, o modo como produzimos e armazenamos os nossos conteúdos. O Orkut é instável demais para isso, é uma ameaça até.
Eu achei essa visão sua muito boa. Eu sempre estimulo as pessoas a pararem de publicar no Facebook e criarem um blog (WordPress) quando vejo que não vêem os problemas.