Cheguei em casa sentindo-me esquisito hoje e preciso ouvir uma canção bem triste, para arruinar meus nervos e me pôr deitado tragicamente em minha cama a lamentar minha sorte errante e as trevas que se impõem contra mim.
Diante do fogão ainda está a poça de gordura que entornei ao preparar o meu almoço de solteiro. Dentro do banheiro a mecha de pêlos que se acumula no ralo de plástico, denunciando que há dias que não o limpo. As paredes acumulam mofo e teias de aranha e preciso ouvir uma canção bem triste para pensar que alguém mais é que está infeliz em vez de mim e sentir uma pequena ilusão de que virão salvar-me de varar outra noite mirando a parede com meus olhos cansados.
Nesse momento toca o telefone e quase me recuso a ir atender, pois preciso lastimar-me ouvindo uma canção bem triste, ou não me perdoarei por ser humano e fraco e por ter covardemente errado e inutilmente agredido.
— Oi querido.
Nesse momento eu me lembro da suprema felicidade que é ter alguém que o chame ao telefone e o cumprimente dizendo “Oi querido”. Eu não tenho, foi uma ilusão momentânea.
Na verdade é uma telefonista de voz mal-educada que me disse algo que eu nem ouvi direito e me transferiu a um sujeito de voz gorda e apertada nas calças que sentencia gravemente que devo depositar no banco o valor da taxa que devo. Informo que já fiz o depósito, através de outro banco, e que, provavelmente, estaria lançado no dia seguinte.
O homem abriu um sorriso em seu tom de voz chocho e comercial e lamenta haver-me incomodado de modo tão brusco, declara que é um prazer fazer negócios comigo e depois de desejar um boa-tarde financeiro e legal, já afastando o aparelho da boca, corta a ligação sem me dar chance sequer de educada e mornamente responder que “igualmente”.
Você pode esconder-se, esconder-se atrás de olhos paranoicos e uma canção bem triste. Qualquer coisa que invoque a infância que já se foi e exorcize a idade adulta que chegou tão cedo e brusca. Mas não pode esquecer que a morte está na esquina e que ela é linda. E quando eu me lembro de que ela em breve se deitará comigo eu me envolvo em mim mesmo, e preciso ouvir uma canção bem triste para curar-me da tola mediocridade de estar vivo.
Detenho-me na cama ouvindo Pink Floyd e estendo-me em sonhos estúpidos e inférteis que adiam sem resolver o fato de que eu não tenho alguém para me chamar ao telefone e dizer “Oi querido”. Sempre que chego do trabalho que eu já não tenho mais, eu desejo ouvir uma canção bem triste que interrompa a sutileza que me invade quando estou em meu apartamento que não é um lar. De riqueza tenho apenas os discos com músicas tristes que me curam de ser igual aos outros.
Agora que não tenho mais meu emprego, nem sei como vou atrair a mulher que me diga “Oi, querido” ao telefone. Tampouco tenho como pagar pelos dentes artificiais com que cubro a vergonha de minha pobreza.