Carta a José

As lições que você ensina, José,1 há outros professores para ensinar, inclusive melhor que você e sem essa necessidade de autoafirmação que o leva a ofender os outros. O verdadeiro mestre não é o que humilha o seu aluno, mas aquele que faz o ignorante se sentir à vontade para aprender. Você não é um mestre, é um perdedor que se agarra a migalhas de conhecimento que obteve, procura fazer com que pareçam maiores do que são (independente do tamanho real que tenham) a fim de se autopromover.

No fundo, José, eis o que você é: um perdedor. Digo isso porque sei reconhecer um perdedor quando o vejo, visto que tenho andado no fio da navalha de ser um. A diferença é que, ao invés de me render à amargura e me tornar uma metralhadora de merda, preferi tentar controlar o lado escuro, concentrar-me mais no meu objetivo e conservar as esperanças de que um dia chego lá.

Isso porque percebi que não adianta chegar lá de qualquer maneira: é preciso chegar inteiro, e bem. Não quero chegar lá e descobrir que me tornei como você. Sinceramente, se para aprender for necessário tolerar um boçal, eu prefiro continuar ignorante. Porque quem aprende com um boçal se torna um pouco boçal também.

Talvez a maior lição que você tenha a nos ensinar é seu exemplo: não se tornem essa figura triste e detestável que me tornei, não se transformem em alguém tão carente de atenção que precisa de angariar inimigos a fim de gerar assunto.

Eu não quero ser como você. Eu não vou usar qualquer migalha de glória que tenha obtido ou venha a obter como plataforma para encarar os outros de cima e distribuir ofensas. Quem faz isso só demonstra que não merece estar onde chegou.

Não falo de ter ou não sucesso, mas de ser essa pessoa abominável que você propaga ser. Se você é o que transparece nos escritos, então você só mereceria a minha pena, muito embora a rejeite. Não ter consciência do próprio estado é característico de quem está sob o domínio de uma ilusão.

Há ilusões para todos os gostos. Há os que se iludem com psicotrópicos (legais ou não). Há os que se iludem com ideais. Há os que se iludem com amores. E há os que, como você, se iludem com os pequenos avanços que obtêm. Quem se ilude com coisas pequenas torna-se tão pequeno quanto elas. Melhor iludir-se com coisas grandes, pois quem mira na lua, mesmo que erre o alvo, no mínimo aparece entre as estrelas. Mas quem mira no vaga-lume do brejo, termina na lama, mesmo que acerte.

Você publicou? Beleza. Vende alguma coisa? Beleza. Grande, campeão. Agora, sinceramente, foda-se. Os livros que vende vão passar. Você vai passar. O que importa não é vender, nem ser reconhecido e nem não ser. O importante é ser feliz enquanto isso. E felicidade é incompatível com o grau de amargura que destila. Há tanto veneno no que diz, que as suas mordidas não ferem somente aos outros, mas também a você mesmo.

Você se acha o tal, o fodão, o temível, o cara que intimida. Não é. Você é só um cara que esconde atrás de uma tela de computador uma vida vazia, que você tenta sublimar em livros, que precisam vender alguma coisa a fim de que você se sinta aceito.

Sim, aceito. Embora jure que não. você não quer ser aceito pelas pessoas com quem interage, mas por quem não o conhece diretamente. O seu leitor anônimo não discute com você, ele compra o livro. É uma relação isolada, é uma aceitação unilateral. Você não quer ser aceito pelo que você é, mas pelo que faz, você não quer interagir, mas impor.

Esta é uma forma de timidez. No fundo você não quer que as pessoas saibam quem você é, você tem vergonha de ser quem é ou o que é. Então constrói essa carapaça grossa de impropérios e agressividade. Mas ao mesmo tempo faz livros e os quer vender. Assim você consegue massagear o seu ego, sem ter que se revelar, sem se expor à curiosidade do povo. O seu autoritarismo é uma defesa para um forte complexo de inferioridade.

Você diz “eu publico e você não”. Há cem anos você estaria dizendo “eu sou branco e você não”. Quando criança você talvez dissesse “meu pai é melhor que o seu” ou, na adolescência, “meu pau é maior que o seu”. Na falta de um mérito intrínseco e pessoal, você se agarra a algo secundário. Não lhe importa se o livro é bom ou ruim ou se você é admirado ou não: publicar lhe basta. Tal como no importava nos tempos da escravidão, você poderia ser uma nulidade, um merda, mas “ser branco” o fazia se sentir melhor que alguém de maior mérito que fosse negro. É assim que a mediocridade se justifica: agarrando-se a diferenças pequenas, para rebaixar as coisas que realmente fazem diferença.

É uma competição. Você precisa mostrar que é melhor do que os outros. Não se trata de publicar, mas de auto afirmar-se. E você quer se afirmar porque? Considerando sua timidez, a carapaça protetora que constrói em torno de si através de sua agressividade, não é difícil entender que, no fundo, você mesmo não se acha melhor do que ninguém, talvez se ache pior do que a maioria. Mas quando você publica você se eleva um degrau acima do “resto”, dos que não publicam. E do alto desse degrau, que você acha que tem um quilômetro de altura, mas pode ser da altura de um tamborete, dependendo do livro publicado, você insulta os outros, você se encontra capaz de superar o próprio complexo de inferioridade e afirmar para si mesmo que é especial.

Tudo isso que você diz não é dirigido aos outros. Seus posts são sempre um monólogo. Você fala consigo mesmo, masturbando-se verbalmente, confortando-se.

No fundo, eu desejo que você supere isso e seja mais feliz, mais humano. Temo, porém, que somente com ajuda profissional isso será possível.

Atenciosamente,
José Geraldo Gouvêa


  1. Este texto foi postado no Orkut em resposta a uma série de agressões verbais recebidas do lendário e finado José Roberto Pereira. 

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