“Como você ousa dizer que andou deprimido?” — perguntou-lhe o amigo de muitos anos. Custódio abriu os braços num gesto largo e insignificante, deixou uma palavra no trampolim da língua, mas fechou os lábios crispados de raiva sem ter dito coisa alguma. O amigo continuou: “Com um emprego como o que você tem, uma família linda, cheio de saúde…”
Dava vontade de matar o amigo. Como era possivel que alguém com quem convivera durante tantos anos se mostrasse incapaz de compreender justamente uma confidência tão sofrida? A estupefação de Constantino só piorava as coisas para o pobre do Custódio. Agora, além da tristeza quase invencível de uma depressão cruel que o agrilhoava, tinha de lutar contra a culpa monstruosa por estar deprimido enquanto o amigo de muitos anos invejava seu emprego, sua mulher e seus filhos.
Como explicar para outra pessoa aquelas coisas minúsculas e agonizantes que vão gotejando das abóbadas mais esquecidas da alma até empoçarem, frias e poluídas, entre lembranças misturadas, decepções e leviandades cometidas? A tristeza, nenhuma língua do universo é capaz de explicá-la. Mesmo os melhores autores só conseguem fazer com que pressintamos sua sombra perpassando versos que são vazios quando os lemos sem estarmos igualmente compungidos.
Custódio estava deprimido e não sabia porque, e não saber porque estava deprimido o deprimia ainda mais. E ninguém compreendia nem compreenderia porque poderia estar tão triste alguém tão invejavelmente empregado, mesmo que o emprego de alto salário envolvesse transações escusas e jornadas extenuantes de trabalho. Como poderia estar triste alguém casado com uma mulher tão bela e tão doce, mesmo que a beleza e a doçura envolvessem uma insipidez, uma tepidez, episódios de embriaguez… Como poderia estar triste alguém com tão belos filhos, se tão pouco tempo tinha para conviver com eles, se a convivência com eles concorria com os sonhos nas curtas horas de folga…
Constantino exerceu o seu papel cruel, sem perceber, é claro. Somente quando estamos munidos das melhores intenções é que somos capazes de destroçar impiedosamente com as mãos as pessoas a quem amamos. Lá estava seu amigo, sem perceber, culpando-o por ser triste quando deveria ser feliz, por estar frustrado quando deveria estar realizado. Com a autoridade de quem está de fora e sabe tudo.
“O que lhe falta é orar mais, meu amigo…”
Esta frase solta no ar lembrou o tempo em que os parentes o provocavam pelas costas com insinuações de homossexualidade, de insanidade, de ingenuidade… toques de maldade que só os parentes são capazes de dar a uma adolescência hesitante, em um mundo cheio de alternativas e tão vazio de sinais no caminho. Lembrou-o do tempo em que esfolava os joelhos nas missas implorando para que o cadáver de Jesus se lembrasse de seu desamparo e lhe desse superpoderes para salvar o mundo, ou pelo menos os números da loto para que não tivesse que continuar se humilhando, pobre e só.
Por fim perdeu a sua alma. Furioso, encarou a face flácida de Constantino e esfaqueou-o com uma frase ferozmente afirmativa:
“Se orar resolvesse alguma coisa, Constantino, você não seria tão insensato…”
Girou nos calcanhares e continuou descendo a rua, com um amigo a menos e com uma escuridão ainda mais intensa revoando sobre sua cabeça. Nada é tão solitário quanto a tristeza, pois ninguém sabe o que anda nos pensamentos do homem triste. Temei ao homem que é triste.