Quando morreu minha poesia
passei a viver sem uma alma
e tenho estado assim, semi-cadáver,
faz tantos anos que nem lembro
se fui completamente humano,
como pude saber sorrir.
Tornei-me alguém sem sentido,
abdicando de prazeres e formas
e esta hemi-pessoa que fiquei
suporta mal sentimentos,
próprios e alheios,
sustenta mal ilusões de feitos
que nunca passarão de projetos.
Há tanto tempo que acostumei-me
e tenho feito isso sem querer
— suavemente abandonando sonhos,
sinteticamente assaltando signos
e deixando tudo atravessado,
deixando tudo me deixar, sorvendo
o veneno anódino da vida.
— E assim como quem simplesmente morre,
eu deixei morrer o jovem que fui
dentro do velho a que não cheguei.
Essa infeliz idade me agrada às vezes,
mas tem dias em que a saudade importa,
tem dias que algo aqui se rompe
e sofro a sensação de estar morto.
Dias em que eu descubro que
o mal que isto faz, que me apaga.
As lágrimas não correm, fico mudo
e minha dor empoça num conceito.
Nem me lembro quando foi que congelei:
sei que tem a ver com algo que amei.
Sei que se relata a um tempo antigo,
coisas anteriores, sonhos em que perambulei.
Talvez eu saiba que tudo que morreu
na verdade jaz num pântano perdido
nascido de um amor que estrangulei e
junto foram um futuro e uns sonhos.
Posso ser um outro agora,
mas sinto outras saudades
— não mais de quem não fui, como sentia —
mas de quem não sou, de quem seria.