Quando criança eu li “[Vovô Fugiu de Casa](http://www.lpm.com.br/site/default.asp?Template=../livros/layout_produto.asp&CategoriaID=848474&ID=384818)”, de Sérgio Caparelli (taí o link, comprem e leiam pois é bom demais). Essa obra foi uma das mais impactantes de toda a minha vida. Várias vezes me peguei reescrevendo histórias que começam com personagens pondo o pé na estrada, tudo por causa do velho que resolve fugir de sua vida deprimente e passar suas últimas semanas ou meses de vida curtindo a serra gaúcha em companhia do neto que sofria bullying na escola. A cena em que os dois invadem um armazém à noite e roubam queijo e salame para comer está gravada a fogo em minha memória. Agradeço muito ao Caparelli por ter escrito este livro gostoso e simples, mas transformador.
Anos mais tarde fiquei sabendo que talvez ele tivesse se inspirado em outro vovô, que fugiu de forma muito mais radical: Ambrose Bierce, escritor americano, sentindo que as forças vitais o abandonavam, deu um jeito de escapulir da família e deixou uma carta na qual, após descrever seus sofrimentos físicos, concluía:
> Adeus, se ouvir falar que fui posto contra uma parede no México
> e fuzilado até virar trapos, saiba que eu acho que este é um
> meio bastante bom de sair desta vida. Melhor que senilidade,
> doença ou cair da escada do porão. Ser um gringo no México —
> ah!, isso é eutanásia!
Esta semana, Da. Evani Rossal, uma senhora gaúcha residente em Passo Fundo, revoltada com o filho (que fugira de casa anos antes, como muitos jovens) e inconformada com a suposta falta de apoio da família durante um tratamento de saúde, resolveu fazer algo que evoca a ficção de Caparelli e a biografia de Bierce: pagou as contas, fez as malas, entrou no seu carro e sumiu no mundo, deixando para trás um bilhete (que aparentemente foi “comido pelo cachorro” ou algo assim). No bilhete disse que ia “curtir a vida”.
O filho parece não ter gostado. Depois de esperar alguns dias, deu parte à polícia, supostamente dizendo que a senhora fugira com o carro “da família”.
Dona Evani, descolada como ela só, viu a notícia no site de um jornal e comentou usando sua conta do Facebook. No comentário, devastador, acusou o filho de ter fraudado sua conta bancária certa vez, dívida que ela “ainda está pagando”, reclamou da falta de cuidado e carinho do filho e por fim afirmou que o carro era seu, não “da família.
O caso virou febre na internet (mas eu só soube hoje, desligado que sou) e Da. Evani deu até entrevista para jornal (através do Facebook Chat, lógico). Serviu também para chamar a atenção para a falta de cuidado que temos para com os nossos idosos. A obra de Caparelli, na qual o filho não tinha tempo para cuidar do pai, é mais atual do que talvez até quando foi escrita. Prova de talento e sensibilidade do autor. Prova que o mundo anda uma merda.