Recebi uma curiosa mensagem de um amigo: “até agora nenhuma livraria foi saqueada no Espírito Santo.” O estado vive um caos de segurança pública, a polícia desertou das ruas, a sociedade regrediu ao estado de natureza teorizado por Hobbes e todos aqueles ditos em latim se materializaram: bellum omnia omnes e homo homini lupus. Nessa situação de total descontrole vemos pessoas aproveitando para resolver as contas com seus desafetos e gente roubando três tipos principais de bens: eletrônicos e eletrodomésticos, roupas e calçados, e joias […]
Author Archives: José Geraldo Gouvêa
O Mito da Acessibilidade
Uma das maiores polêmicas em que os jovens autores se envolvem é a questão da “acessibilidade”, um termo muito mal empregado no contexto da edição de livros. Teoricamente, o termo se refere a meios através dos quais pessoas deficientes de algum sentido teriam acesso a um lugar ou conteúdo. Por causa da acessibilidade existem os livros em braille, para que os cegos possam ler, os livros infantis têm letras grandes, adequadas à faixa etária, foram criados softwares de leitura para permitir que os cegos usem […]
Relembrando a Crítica Literária Mais Demolidora de Todos os Tempos
Em 1989 o humorista, cartunista, tradutor, poeta e cronista brasileiro Millôr Fernandes publicou uma série de pequenas crônicas sobre a obra do então presidente José Sarney. Estes textos, em seu conjunto, formam a mais demolidora crítica literária jamais publicada em português. Não somente pela notoriedade dos envolvidos — um presidente da república e o outro colunista da revista de maior circulação no país — mas também pelas incríveis tiradas com que Millôr brinda o texto criticado, o que acaba por eternizar a ruindade de uma […]
Como um Passarinho
Não pude resistir ao “pequeno apartamento de dois quartos, sem garagem, por apenas R$ 350,00”. Aluguei. Não precisava nem de dois quartos, bastava-me um. Mas não havia aluguel mais baixo na cidade, fazer o que? Algumas novas peças de mobília e lá estava em meu pântano particular. Eu não conhecia quase ninguém na cidade ainda, então ficava andando de lá para cá depois do trabalho enquanto ainda não escurecia, para ver gente, cumprimentar e esticar as pernas duras de ficar sentado o dia todo. Mas […]
Povo Marcado, Povo Feliz
Há dois tipos de pessoas úteis no mundo. As que acendem o fogo e as que o apagam ou controlam. A civilização não existiria sem o fogo. Mas seria consumida sem seu controle. Por muito tempo foi teoria de conspiração o envolvimento americano no golpe de 1964. Que Vladimir Herzog fora morto no DOPS, onde foi meramente “dar depoimento”. Por muito tempo foi teoria de conspiração que Jim Jones fora envolvido com a CIA. Por muito tempo duvidaram que Georgi Markov foi morto pela KGB. […]
Precisamos Falar Sobre Reis e Barrigas
Há um espectro que ronda a literatura nacional, desde há algum tempo: o ressentimento de uma classe de autores e críticos contra o maior defeito da literatura nacional, o seu povo. A literatura brasileira é, apesar do que pensem os indivíduos que residem em suas torres de marfim, a literatura de um povo oprimido, uma literatura de resistência. Ela tem de combater a cada dia não somente contra as próprias limitações materiais de um país que ainda é subdesenvolvido, mas também contra um sistema que […]
Fetiches de Tamanho, Qualidade e Exclusividade
Talvez por insegurança, ou por algum traço cultural que eu ainda não mapeei, o brasileiro tem uma necessidade curiosa de enfatizar o tamanho ou a qualidade de tudo o que vê, especialmente do que possui. O Brasil é um país onde não se compra manteiga que não seja “de primeira qualidade”, nem arroz tipo 2, nem carne de segunda ou de terceira (eliminou-se a distinção antiga). Onde qualquer vendinha se chama “supermercado” e um estabelecimento sem filiais se chama “Lojas Fulano”. Onde qualquer calhambeque será […]
Por que que a gente é assim?
Mais uma vez? É claro que eu ‘tô a fim. Parodio Cazuza para dizer que o escritor brasileiro parece não se cansar de ser humilhado. Não basta praticar uma arte considerada “fácil” por quase todo mundo que não a pratica, não basta que considerem a literatura algo supérfluo “com tanta gente passando fome” e tampouco basta que vejamos as prateleiras de nossas livrarias ocupadas majoritariamente por uma espécie de subliteratura cagada sobre nós pelo sistema hegemônico em que estamos inseridos. Nada disso basta, temos de […]
Amor Gótico
Ouviram um rangido desagradável. A lua gorda de maio abriu uma janela estreita entre as nuvens e a fumaça para ver Lucinda nua. Ela riu, a lua deve ter rido de volta, fazendo-lhe cócegas na pele pálida. Então ele se afastou, constrangido e com a sensação incômoda de ter as nádegas desprotegidas contra o vento e o desconhecido. — Já foi? Queria mais… — Você não sossega esse facho, Lucinda? — Deixe, cara. Aproveite a noite, aproveite a lua, aproveite a paisagem. E aproveite que […]
Gostei do Nobel para o Dylan
Como sou do tipo que acredita que uma Academia é essencialmente uma desculpa para um bando de velhos se concederem prêmios e ignorar o que se faz de novidade neste mundo, nunca dei muita bola ao Prêmio Nobel de Literatura. Especialmente porque a maioria de seus agraciados tem pouca relevância “pop” — o que significa que trazem pouca polêmica — e os que a têm já estão velhos demais para trazerem alguma sacudida ao caretíssimo universo das letras. A coisa mais parecida com tal sacudida […]