Os dois policiais vinham pela rua a pé, as pernas bamboleantes de cansaço, as vistas turvas de sono às três da manhã, torcendo para que nenhuma coisa acontecesse, pudessem chegar à delegacia, tomar um chá quente e ficar por uma hora ou duas com as pernas enroladas em um cobertor. Nada acontecia na cidade, não era preciso aquela preciosidade que o delegado ordenava: patrulhar pelas ruas! — É como ser vigia de cemitério — protestou o Cabo Fabrício. Nem bem o disse os dois ouviram […]
Author Archives: José Geraldo Gouvêa
A Terra da Noite
Estamos no futuro. A data é desconhecida, porque a cronologia da humanidade já se perdeu… várias vezes. A humanidade já foi grande e já se destruiu, mais de uma vez. Explorou o universo durante milhares de anos, e brincou com fogo… e se queimou. Agora tudo isso passou. Os tempos de orgulho acabaram. Os últimos milhões que ainda se consideram “humanos” vivem acuados em um castelo-fortaleza, o Último Reduto da Humanidade. A Grande Pirâmide, construída do perene Metal Cinzento que nenhum Monstro rompeu. Cercada pela […]
Livros Para Morrer Antes de Ler?
Este livro é daqueles que quando você larga não consegue mais pegar. — Millôr Fernandes A Revista Bula publicou uma lista de vinte obras que o autor considera tão ruins que é melhor morrer antes de ler. Trata-se de uma inversão do comum, que seria uma lista de coisas a se fazer antes de morrer. Embora eu discorde de alguns elementos da lista e não conheça alguns outros, tenho a minha própria lista de obras que já tentei ler e decidi que a vida é […]
Notas da Tradução de “A Terra da Noite”
Texto introdutório que pretendo incluir na publicação de minha tradução de “A Terra da Noite”, de William Hope Hodgson, que estou por terminar. Esta é a tradução possível para “A Terra da Noite”. Não é uma tradução literal, embora não chegue a ser uma “recontagem” como as antigas publicações de clássicos da literatura feitas pela Ediouro. Há um provérbio italiano segundo o qual os tradutores são necessariamente traidores, seja da forma seja do espírito do original com que trabalham. Traduttore, traditore e o que resta […]
Ai dos Heróis
Ai de vós que desejais ser heróis. Os vilões não vos perdoarão os pecados da vossa humanidade… — Profecias do Oráculo Cataguasense É relativamente confortável ser mau. Além de incontroverso, pois a média da humanidade só odeia do mau que ele seja revelado, o mal é recompensador. É fácil ser mal. É quase irresponsável. Quem escolhe o caminho do mal pode fazer o que queira e ninguém se desapontará. Dos maus somente se espera que cometam o que há de pior. De fato, algumas pessoas […]
As Coisas e os Nomes das Coisas Não Coisam Bem
Em português as coisas têm nomes diferentes conforme o contexto. Nem toda coisa é a mesma coisa na mão de qualquer um, ou em qualquer lugar. Este é um guia rápido para estrangeiros ainda não acostumados aos nossos modos. Mulher rica, quando se veste bem, fica elegante. A pobre, quando consegue, vira perua. Mau gosto de rico é kitsch, bom gosto de pobre é brega. A mulher do pobre o trai, a do rico adultera. O marido pode ser corno ou um traído, e a […]
O Pior Presente Que Se Pode Ganhar
Os piores presentes que alguém poderia lhe dar incluem uma gravata, se você, como eu, não tem o hábito de usar, meias, que sempre serão menores que o necessário, caso sejam presenteadas, e também aqueles agasalhos de lã feitos em casa por uma de suas tias, sempre empregando duas cores absolutamente discordantes. Bem, minto. Há um presente pior que qualquer destes: canetas. Tentarei explicar. Canetas não são muito úteis hoje em dia, em que as pessoas normalmente escrevem mais em teclados ou superfícies sensíveis ao […]
O Editor Superstar
Esta semana o jornal O Globo publicou matéria sobre Gordon Lish, editor americano que em certa época editou a Esquire. A matéria é extremamente interessante para amadores como eu, mas para profissionais também. Acredito que há muita reflexão produtiva que se pode fazer a partir do conteúdo. A primeira impressão que o texto me deixou foi profundamente negativa, um sentimento de verdadeira repulsa. Afinal, o tipo de relação entre editor e autor que é defendido por Lish (e pelo autor da reportagem) não parece nada […]
Viver Não É Preciso
Quando Pessoas o disse Ninguém o percebeu, No entanto nadavagamos Por mares irresolutos E nas vagas adiante Tudo é tão neblina e tão… Interrupto. Viver nem é preciso, é precioso.
Render-se à Jornada do Herói é Conformar-se
Veja bem. Há uma quantidade limitada de elementos possíveis na ficção. Cabe ao autor utilizar esses elementos de uma forma sábia, para construir uma história legal. Eventualmente você pode até descobrir um elemento novo, mas não veja isso como obrigação. Aqueles que propõem a Jornada do Herói como um paradigma obrigatório estão, porém, muito errados. Comecemos pelo óbvio: impor a Jornada como um método para construção de narrativas significa criar uma receita de bolo, abolir a criatividade do autor, enfiar todo mundo numa forma. Se […]